O delator da poesia

A poesia, quando quer,

ganha corpo e passeia

nos lugares e nas coisas mais improváveis.

Oculta nela um segredo

retido a sete chaves;

que por acaso,

outro dia, descobri:

ela sabe se tornar invisível.

Na maioria das vezes ela é perceptível.

Mas, quando quer ou necessita,

sabe ser discreta, faz-se de muda.

Nestes dias e nestas ocasiões,

somente seres especiais a avista,

quando de seus excursionismos materiais.

Quando se materializa ela é coisas e não vocábulos.

Ganha forma, as mais diversas, e cores espetaculares!

A poesia possui uma magia fascinante.

Pena que consegue encantar poucos.

E em tão raros momentos!

Outro dia, ela teve uma ideia genial:

fingiu-se de assanhaço;

e num azul maravilhoso

veio se fartar no meu quintal.

E lá se foi à derradeira papaia

amadurada do meu pomar!

Noutra ocasião, olha que danada, ela veio canto!

E o canarinho amareleja com ouro na testa,

fez festa no meu telhado.

E tudo ficou enfeitiçado.

Mas somente eu sabia

que era a poesia

que brincava de encantar!

Noutra manhã ela chegou borboleta.

veio enfeitada de cores e trazia uma paz indescritível.

Brincou e beijou em todas as flores do meu jardim.

Uma das minhas azaleias ficou apaixonada por ela.

Graciosa voltou na manhã seguinte e na outra;

Parece até que vinha somente para encontrar

comigo no jardim de casa. Notei isso nela!

Noutra tarde, ela veio chuva.

Dançou linda nos vidros da janela!

Parecia que nem era ela de

tão voluptuosa que estava.

Mas eu a reconheço bem.

Sei que era ela que brincava na vidraça.

Ela que dançava sensual na minha janela;

depois, tomada de acanhamento,

Disfarçou-se pelo chão

e esvaeceu silenciosa.

Numa noite dessas, ela se ergueu e se escondeu na lua!

A noite se fez viva e única!

Ela se exibia, desvairadamente...

Pela fresta da minha janela eu a via artista

e o espetáculo tornou a melhor das festas.

Era para mim que ela se mostrava, somente para mim!

Creio que já temos um caso de amor, coisa meio secreta.

Apenas eu é que sabia

que era a poesia,

que meio nua, se exibia

no alto da lua, naquela noite mágica!

Meu Deus!

Hoje ela veio loucura!

Somente agora é que compreendi.

Ela encarnou-se em mim e me fez seu delator.

Um judas moderno; mas o mesmo infiel de sempre!

Agora, qualquer um saberá distinguir a poesia por aí.

Por mais discreta que ela venha nas suas incursões noturnas

será vista, isto, por força e graça deste ser descuidado e distraído.

IVAN CORRÊA
Enviado por IVAN CORRÊA em 18/10/2012
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