Olhos negros

Olhos negros...

Negros, negros são teus olhos

Negra é a noite que passa

e derrama pelas areias da praia

um silêncio de adeus

É a nostalgia cantando,

solitária,

saudosas cantigas

para que a noite não durma

para que o poema recolha

o sonho mais antigo,

o verso que os meus lábios

recitam devagar

Olhos negros,

Negros cabelos

A noite negra

morando em ti

sem lua branca,

sem estrelas azuís,

somente este céu

diáfano e escuro

esta saudade vivendo

em tua ausência

onde ficou o rumor

do teu nome

neste tempo que esparge

o teu perfume

Olhos negros,

olhai para o meu rosto

segurai as minhas mãos

falai as palavras

que em teus pequenos lábios

me encantavam

e beija a sede da minha boca

molha em nossa saliva

a chama absorta das horas

lentas

as mais lentas horas

que adejam no longínquo dia,

flutuantes instantes dourados

que o final da tarde esboçou

antes que o dia,

a luz caindo no mar,

fize-se tanta noite,

demorada noite,

que me acompanha

como este pássaro de ébano

e esta poesia que não se ousa

dizer-se

já que tecida em longas noites

onde o mais opaco é o mar

e seus altares

e o marulho das ondas

nos rochedos

Olhos negros,

ofereço-te a flor estival

que brota lá fora,

no inelutável correr das horas

vazias

na eqüidade da luz dos dias

e das cambiantes noites

que guardei, para sempre,

nos instantes dos grãos de areia

que a lua faz cintilar

Ó, negros olhos,

límpida noite,

que em mim se tornam impessoais

imanentes e nus

sede do meu beijo

e onde se embriaga,

lentamente,

o meu encanto

e a minha perdição

Dizei,

ó senhora dos negros olhos,

onde buscar meus versos

se já não tenho mais a ti

e o passado já está escrito

por si mesmo

como um écran

ou uma nuvem que se desfaz

enquanto bebo teus olhos

na bruma que sustenta os céus

e a doçura dos teus gestos

Olhos negros,

negros olhos,

ânfora nua,

alheamento das águas que flutuam

e sussurram nesta luz amarelada das velas,

neste negro mar

pois que és bela,

flor possessiva,

flor dos crepúsculos,

trêmula luz que ondeia

entre o sim e o não

entre o claro e a sombra

flor que habita o poente

e sabe que na noite

há metade da vida

sob o silêncio que nos toca

desde o início

quando o poema era esta página

em branco

onde lagos e campos

e este querer-te agora

e no passado

e sempre

é o mesmo sentimento

Flor negra,

flor da ausência

e dos meus tempos de menino

quando sonhávamos,

tu e eu,

cada instante eterno

de um amor que não perdi

e que não cessa

de um amor que se cumpriu

sempre novo

e sempre a começar

num tempo que era só meu e teu

um tempo atado aos teus carinhos

Apascenta os teus negros olhos

no noturno dos meus olhos sozinhos,

ó flor dos dias que se exauriram

na solidão que veio depois de ti,

e diz que ainda me ama,

flor dos olhos negros,

como se a vida não fosse

esta inabitável ausência