Os dias que voltam

Como podem ser eternos os dias comuns

e ainda mais eternos os dias que voltam

nos ventos que vêem do mar

e trazem rostos,

momentos,

carinhos,

sortilégios,

olhos negros,

nívea paixão,

outros mares

crianças de pés descalços

um menino sozinho

brincando nas águas das chuvas

esfregando vagalumes na camisa

O céu, carregado e cinza,

me entorpece

impossível ver o mar

na janela a chuva escorre

em absoluta solidão

como lágrimas em um rosto

morrendo nos lábios moldados em barro,

argila de ofuscantes mistérios

sem abraço,

sem despedida

só os cansaços secam o choro

bebem o silêncio

O livro que leio me lembra

que todas as palavras já foram usadas

e agora já não há como definir o que é ilusão

Impossível não mentir pra mim mesmo

o sonho continua respirando

a insanidade dos dias,

a melancolia

A chuva molha os minutos

o tempo é esta neblina enredada nos meus olhos

nos olhos dos espelhos

nos olhos puerís de um futuro impossível

O tempo envelhece

entre uma mania e outra

entre uma linha e outra de poesia

e sua íntima companhia

modulando este exílio

este pequenino mundo

de outroras narrativas

de paisagens úmidas

tingindo meus sonhos

e os cravos de um quintal

molhados pelo sereno

fragrantes como a infância

perenes como os dias que voltam

Voltam,

por que os dias não têm fim...

...não têm fim

dias que sempre encontro

quando olho dentro de mim

Os dias voltam, pretéritos,

nas noites e no rosto da insônia

levados pelo leito vermelho de velhos rios

que passam indistintos e sem pressa

alegres ou tristes

breve rumor do cricrilar dos grilos

subtraido ao silêncio da última madrugada

pintalgada pela chuva que cessou

E nos quintais

os pássaros acordam a aurora

despe-se a noite de seus enlevados enganos

faz-se o dia sobre os passos

que o fogo do mar grafou

na manhã que nasceu sombria

imiscuindo o horizonte ao mar

escondendo o sol

neste mar absoluto e abstrato

de sonolentas espumas

a rolar por entre a bruma volátil

dos dias que voltam

e contam estórias antigas

e cantam cantigas de antanho

serenamente

no mar solitário

que ainda outro dia era amor