Eu não gosto de ser cruel
Eu não gosto de ser cruel
Mas às vezes sou obrigado
A dizer o que me fere,
A maltratar e depois virar o rosto
Para que não vejam minhas lágrimas
De remorso.
Obrigado, Jesus, por não existir.
Do contrário, eu teria que respeitar leis
Estúpidas pelo bem da minha
Posição social.
Uma canção toca agora,
Não sei o nome dela,
Mas ela me revela mais coisas
Que o Ensino Médio, os livros de Direito
Ou o telescópio Hubble.
Caminhando por um shopping de Brasília
É inevitável que eu perceba o desperdício
Que simplesmente existe, como uma porta entreaberta
Através da qual o vento passa.
As vitrines estão repletas de
Corpos perfeitos para produtos imperfeitos,
Mas eu sei que esse verso não convence ninguém.
E para aqueles que percebem isso
Entrego aqui minha garrafa
Ou você prefere a camisa de força?
A história é escrita nas frases não ditas pelos jornais.
Os jornais são púlpitos dos deuses.
E é urgente termos
Leitores ateus.
E é urgente termos analfabetos da alma, já que quase ninguém
É capaz de ler alguns parágrafos encarrilhados,
Mas quase todos podem
Apontar o caminho da salvação.
Ó Estevão da tabacaria,
Ó Willian do churrasquinho,
Ó Gaguinho da vodca,
Ó Miranda da cerveja,
Ó Dário do Frango Assado,
Ó Baiana do Acarajé,
Ó ambulante qualquer,
Tão importante quanto qualquer um
E tão mortal como nós
Após o milagre do sol.