Primavera

É setembro nos tons

acobreados desta noite

de inicio de primavera

Um candeeiro acende

a madrugada

e o seu manto de opala

Lua cheia sob um céu

negro azulado,

cata-vento de estrelas,

olho de prata,

luzeiro de jaspe,

refletido neste

rio carmesim

As horas sopram

lembranças

das manhãs e seus

céus coloridos,

das tardes de pergaminho,

das noites prateadas

e azuis

feitas de saudades,

feitas deste crepitar

das árvores que a brisa toca

como uma fada das águas

As estrelas queimam

o cerne do benjoim

e enchem o ar de

uma poesia dolente

e perfumada

As luzes nos postes

acendem as sombras

nas ruas que caminham

levadas pelos ventos

e tecem canções

molhadas de segredos

Um beijo...

nos teus olhos negros que

fitavam os meus

e punham em mim

a quietude da noite

a mansietude dos sonhos

Quando ias embora

meu coração se perdia

no perfume da tua ausência

tatuado em minha alma

Quem é esta menina que

suspira nas minhas madrugadas

e caminha pelas ruas desertas

sozinhas como uma lua?

Ainda sonho seu olhos negros,

seu corpo de luz e sombra,

seus lábios mordiscados

por este amor que doía

quando eu enlaçava sua cintura

nas tardes que ficaram em mim

como um sinete

dos seus lábios nos meus

É primavera

e o silêncio transpira

o aroma das flores silvestres,

da terra molhada

Um pássaro voa

sobre a minha vida

e eu compreendo

a doce e triste voz

do trinar da ave

e o eco dos meus passos

tentando lhe acompanhar

pelas ruelas da minha vida,

da minha infância

Choro o grito

que vem no vento

entrelaçado de soluços

Ao longe os sinos dão as horas

A cidade desperta lentamente,

modorrenta,

ao bimbalhar do sino

que traz consigo a manhã

misturada com o horizonte

e o perfume sonolento

das flores que bailam

na aragem ébria

dos aromas dos jasmins

A luz nasce e se aproxima

como uma fábula

A vida introjeta as cores

de um novo dia

No céu o sol e a lua

são duas ninfas desnudas

Os versos de tez morena

não dormem jamais,

pululam na madrugada de nácar

Ficam a gotejar das estrelas

sobre a anágua dos rios,

entram pelas gretas do sonho

nestas manhãs de setembro

que não esquecem o menino

de pés descalços

e asas de pássaros

que um dia sonhou o amor

A manhã, muda e quieta,

abre os olhos

negros como os teus,

banha-se nas águas do rio

Rumores de águas das chuvas

onde barquinhos de papel

carregam as folhas verdinhas

de mais uma primavera

A aurora exibe o segredo

azul, lilás,

dos meus silêncios de menino,

da minha solidão,

náufraga desta ilha oculta

que se desnuda em mim