[Inútil Resgate - Beatle's Song na Estação]

[Beatles’ Song na Estação]

[Armagedom no Bar da Estação]

Enquanto um cão vagabundo

mija no poste da esquina do Bar,

e um gato velho morre atropelado

no meio do cruzamento de velocidades,

essa old Beatle’s song insiste em tripudiar

sobre as cabeças cheias de cerveja;

o vértice agudo de um Tempo Perdido.

“Yesterday” é... e sempre foi, é óbvio —

como é que ninguém deu por isto?! —

uma canção feita para o dia de hoje!

Na Avenida, o Bar é o divã do analista;

e em frente ao Bar, a Estação é a saída:

a incitação da viagem clandestina num trem de carga!

No tempo vigente no Bar, passa o filme

dos feitos dos dias dos homens:

passa uma carroça velha puxada

por uma égua magra feito a pobreza;

passa um carro fora de época tracolejando

a lataria solta de peças aproveitadas;

passa um grupo de fanáticos religiosos

de olhares esconjurantes e bíblia debaixo do braço;

passa um cavaleiro solitário, de chapéu baixo,

indo e vindo, à toa, pela calçada da Estação...

E passo eu, viajante de céleres resgates inúteis,

buscando nessa minha ansiosa relação com as coisas,

o sempre intangível elo do meu tempo nesta Terra,

o gargalo da ampulheta, o toque quase, quase possível

dos vértices do Cone do Passado e do Cone do Futuro —

o ponto-resíduo da trajetória da minha linha do universo,

essa indeterminação inoperante, essa gosma — o Presente!

Fragmento de idéia: do outro lado da Avenida,

há um transformador de energia, mas — que ironia! —

estão faltando os cabos de entrada, logo,

não há energia a ser transformada...

tal como na consumição da morte!

[Nesse delírio vertiginoso, na pressa

de escrever antes que a música do bar

espalhasse os últimos acordes,

algumas palavras eu não anotei;

mas não tem nada não —

perderam-se só as mais graves,

aquelas que ficaram me corroendo

por dentro, sem achar a saída!]

E também, o que importa

perder algumas palavras,

o que importa querer viver

esta merda de só o tempo de...

Sempre haverá algo por completar,

sempre haverá algo por dizer,

sempre haverá vida que viver

enquanto a corda não se roer —

sempre haverá vida enquanto

o Quando for prenhe de promessas;

enquanto a construção erguida

na terra proibida estiver de pé;

enquanto o prédio abandonado

estiver na mira para ser invadido;

enquanto a pátria estiver de “veias abertas”,

mas ainda houver o sonho de estancar a hemorragia;

enquanto durar a busca nostálgica da ideologia

de luta esvaziada no saco sem fundo da História;

enquanto aquela bala perdida

não achar a minha cabeça!

A luz se apagará quando não for mais

tempo de haver enquanto;

ou quando, enfim, o meu mundo

para sempre se apagar como numa baita

injeção de Dormonide!

Para isto estamos no mundo:

para sermos incompletos!

Agora, o melhor é só ouvir de novo

essa velha Beatles’ song feita,

torno a dizer — é óbvio! —

para ser cantada hoje!

Vamos, toquem; afinal EU estou pagando!

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[Penas do Desterro, 07 de maio de 2002]