Sertão

Na terra do nunca

mora a minha meninice

e os sonhos semeados na terra seca

e plangente da caatinga teimando

em ser seca e inundada de sóis

com o chão tremelicando de quente

Eu comia as paredes de barro da casa

e o gosto do barro esturricado

se impregnava no meu jeito de

ser menino com fome...

(e sede)

A terra rodopiando nos redemoinhos

O ar enfadado cuspindo siscos nos meus olhos

na minha pequenina sombra e vontade

avesso da vida sem arco-íris

Somente o ar ondulando

como quem se banha no fogo

pedindo as gotas salobras

de um rio que fosse, calado,

lambendo o chão crestado

Ah, se um rio passasse por aqui...

pelos dias desgostosos de Itapetim...

sem serenos nem orvalhos

Destino de cada um

Meu irmão me chamava de "Zominho"

enquanto eu chorava, sem saber, a vida

que nem bem tinha começado

já se acabava impregnada por trás da poeira

Embaixo a poeira

em cima o solzão cavando covas com as unhas

nos dias que se arrastavam compridos

a morte marcando encontro com meu medo

Medo de que?

Medo de tudo!!!

Medo daquela casa

Cujo gosto eu levava na garganta

Medo da vida poeirenta que o tempo ia engolindo

Medo da solidão que doía e eu não sabia

porque ela não se mostrava

Éramos três sobreviventes daquela lenta agonia

minha mãe, Dema, e eu e mais uma que morreu

e que vive aqui no meu poema,

na minha voz da infância, cansada e transitória,

os dias ressequidos pela solidão...

Éramos três: minha mãe, Dema e eu...

e aqulela solidão que chorava em nossos olhos

No meio da noite a casa estalava e gemia

à passagem do vento

escorregando por debaixo da porta

acordando o silêncio

que só ouvi coisa igual quando conheci o mar

muito tempo depois

Depois de uns anos cansados e tristes

O mar virou amanhã

E cingiu-se aos meus sonhos

amagalmou-se à minha vida

como o pranto salgado que eu nem sabia chorar

e que confundia as imagens baças

do terreiro embraseado

mudando a aparência das coisas e das gentes

berço de fogo onde minguavam nossas vidas

sob nosso olhares e gestos fatigados

sem amanhãs

sem voz de sinos

sem pão

somente o tempo zanzando no nundo

tingindo de vermelho as manhãs

No fim de tarde

botando no céu um grão de lua branca,

estrelas tão sozinhas como os meus passos

Às vezes, adormecia chorando a fome...

sempre aquela mesma fome que andava pelo mundo

Mistério inaudito da vida e do mundo

são estas coisas do sertão

e as lágrimas que derramei num tempo tão longe

e que como vela noturna derramam-se em meu coração

(...)

Ainda o gosto de barro seco e de ausência

Ainda a presença daquele sol urinando no sertão

em tantas manhãs

e tantos dia de medo

e de solidão