[As Duas Bandas da Vida]
Ah, aquele velho casarão...
Já escurecendo, num canto da sala,
a luz trêmula de uma única vela votiva
oscilava frouxamente, e rastejava
parede acima até que, combalida,
perdia-se na escuridão do teto —
ali, a consumição do meu olhar!
O escuro já era antes, mesmo
sem eu tomar tento [dele] —
para os meus olhos vagantes
quem criava o escuro no mundo
da sala era mesmo a luz da vela,
no instante em que era acesa!
Se alma eu tivesse,
por um instante, ela
até pairava sobre aquela luz,
mas depois, buscando verdades,
ela escaparia para o teto escuro.
A minh’alma certamente ia preferir
o escuro total à luz cambaleante!
Ela fugiria — e como fugiria! —,
de todos os votos vãos
ainda que encaminhados
por quantas velas fossem [acesas]...
À tardinha, diante de uma vela assim,
é impossível eu não sentir a Morte
adejando sobre minha cabeça...
A Morte... a vela acesa... a Vida! —
O fogo, dizia Guimarães Rosa,
ilumina os dois lados...
"que se diz que o fogo somente
é que vige das duas bandas da morte:
da de lá, e da de cá..."
Por sorte, eu não tenho alma
[ou, se tenho, desconheço-a].
E já que essa Vida é Morte
desde que a gente nasce,
eu fico aturdido, desmaterializo-me,
e nem sei se estou na banda de lá,
ou se estou na banda de cá!
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[Eu não quero dizer nada,
só quero falar por falar,
para algum alívio vago...
nem sei mais onde eu vi
a tal cena da vela acesa!]
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[Desterro, 15 de setembro de 2012]