Manhã

A manhã nasceu

por entre as nuvens branquinhas,

por entre gorjeios de passarinhos,

cheirando a cravos e rosas

que o vento roubou aos teus cabelos

É a primavera que se derrama

nos campos de mimosas flores

é o dia trazendo estórias

que um dia foram amores

e que se vão enquanto a vida queima-se

A manhã nasceu

em carícias azuis

cores afogadas em ilusão

dobrados em origamis

pequenos barcos de solidão (ouves?

são as velas ao vento)

É a primavera que se derrama

no mar incerto

pressentido

de águas maduras

quando a brisa faz chorar as ondas

A manhã nasceu

calando os sonhos que falavam de ti

apagando as estrelas

num céu que sobreviverá a nós

nas noites ensimesmadas e andarilhas

É a primavera que se derrama

na terra do nunca

no tempo do era uma vez

sobre o jogo das cinco pedrinhas

girando, girando, como astros hieráticos

A manhã nasceu

A primavera se derrama

Gorjeiam os passarinhos

Nos campos de mimosas flores

Em carícias azuis

No mar incerto

Calando os sonhos que falavam de ti

Na terra do nunca

Tudo, tudo...

é sonho e fantasia

por isso escrevo com a ponta do dedo

nas águas da lagoa

o lado avesso das palavras

e ponho-as a secarem ao vento

peregrino e ígneo

invisível

como esta farsa insofismável dos dias

que se sucedem em sombra e luz

em sim e não

andrajos da ilusão do tempo

que não existe partilhado

morrendo a cada segundo

cronometrando a loucura da vida

e das culpas inauditas

amalgamadas às lágrimas dos anos

A manhã nasceu

e pôs-se a passo no caminho

a arder em versos

a sussurrar o silêncio azul

que a aurora

despeja no som das palavras

determinando o que é flor

e o que é pedra

o que está vivo

o que é inevitavelmente morto

O impossível acorda em cada manhã...

insolente...

cândido...

onipotente...

eterno devir