ALPISTE

misturo o alpiste

com bicadas nas costas da mão;

acordamos com o privilégio do canto dos pássaros,

— nossos filhos de asas —

enquanto a mulher, sozinha, espreguiça-se

sem nenhuma vontade de voar.

No pão quadrado,

a manteiga tem que ser bem pouquinha;

sobre a bandeja portátil

repito o hábito alimentar dos pássaros

e saio para ler, com carinho, as últimas da banca,

mesmo se toda curiosidade a quisesse vê-la nua e molhada,

ou bem vestidinha na toalha após o banho...

a ducha fria está exausta

de ativar os corpos à circulação;

enquanto, nua pela casa,

sem paciência, encheu o pão de manteiga pouca

com queijinhos, presuntos, tomatinhos e alfaces

para repor a energia gasta pela noite ganha,

enquanto nos empanturrávamos de amor...

De jornal emprestado,

após o trabalho e com saudade de casa,

volto sempre com cara de boas notícias,

mesmo sabendo que o quilo de alpiste aumentou.

E falo, e falo, e falo tanto,

que mesmo na muda troca das penas,

encantamos a última hora do dia com beijos de boa-noite

apesar das bicadas em busca do alpiste, agora mais caro!