fuga

houve então de nos exigirem cegos

quando havia tempos já não víamos

em tempo de meninos de tardes descalças

e visão arregalada de não ver

ouvíamos por cheiros

sem saber que víamos, sim

o que todos juravam não existir

depois houve de inventarem pontes

onde talvez nem água corresse

onde abismo nenhum

pudesse nos engolir as noites

e os passos

e os tropeços

e os clarões da lua

mas, ah, que aquele filete d'água

que nem havia

era imenso e capaz de ninar

o brilho inteiro de uma lua

se se pudesse enxergar

se se pudesse correr

e chegar a tempo

de ainda acreditá-lo ali

à noite

antes de raiar a vida

antes das máquinas gritarem

dos pilares se erguerem

e das pedras fugirem dali

pra um outro sonho cego de meninos

- que o mundo ao redor jurava -

não seriam capazes nunca de enxergar

E quanta razão!

saberíamos talvez já tarde

ou talvez nunca

que não seríamos mesmo capazes

nunca de enxergar e entender

que o que conta

que o que faz valer a pena a lida

e os dias

e os sóis

e as luas

olhos não podem mesmo ver

pois que ouvíamos por cheiros

e sentíamos por noites

e enxergávamos por dentro

por isso víamos

que havia, perto dali

um lugar outro onde um filete d'água ainda corria

fugindo de pontes

e de olhos que não mereciam ver

em silêncio, fugia

e levava a lua inteira

dentro de si

Capiau da roça
Enviado por Capiau da roça em 11/09/2012
Reeditado em 11/09/2012
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