O dia nasce

A manhã despe-se da névoa

que lhe cobre de saudades

e níveas histórias

ternas como os lagos

diante dos primeiros raios de sol,

deixa cair a névoa sobre a relva,

ofegantes lábios de linho roçando as flores.

No horizonte os primeiros raios dourados

brincam com as hastes dos sonhos

e o lusco-fusco da noite

que se esquecem à passagem do vento.

O céu mergulha num rio de águas acesas.

Cantam, como um mistério das manhãs,

os pássaros pretos desta ilha

e suas dunas serpenteando

bêbadas de brisa e de cor

e seus silêncios balbuciando poesia

e desta solidão cativa

que une minha alma ao mar.

Cantam os pássaros pretos

enquanto o rosto rubro do dia

surge por entre a copa das árvores

e as primeiras letras de um poema

pousam nas asas da borboleta.

Dobra o sino o agora,

que o vento leva embora,

leva as desinências da noite

e os versos de amor que te fiz

sem tu quereres,

sem tu saberes,

que o amor que eu te tinha

acalentará a lembrança do teu nome

e o teu não.

Escuta!

é a voz do vento lá fora

é a manhã e seu estro

na qual eu me vejo

para a qual estou vivo

e pela qual faz-se imperativo

a opção inelutável pela vida.

E cantarolo o momento

de lilases feitos de outroras,

de azuis feitos de agoras,

de laranjas leves como

os sonhos

eternos como os caminhos,

como a alma das palavras

e a meiguice do silêncio,

como este segredo conducente,

ardente,

de inefáveis vermelhos

guardados.

Goteja o dia a sua inocência

em dulcissímas fragrâncias.

Goteja a luz ao transpassar a janela,

amontoando minutos pelo chão,

indeléveis como "nunca mais".

E o passado,

sem destinatário,

sem certeza,

sem gemido

e sem canto,

sem espelho que reflita a minha alma

meus sonhos,

meus mistérios,

meus caminhos,

meus versos (vozes) em mim mesmo

espelhado(a)s,

meus medos da vida,

que já não servem pra nada

meus ro(e)stos de solidão,

que nesta manhã,

tem sabor e cores

de eternidade,

o passado é como esta ilha

no inverno

e as aparas do sol

que as aves trazem do mar...

para um céu azul e eterno.

Eternidade onde as lembranças

fiam as Vidas ensimesmadas

e fluem rios e cascatas

de fontes oscilando

entre nuvens de algodão

e o sol clamando por ser fogo,

entre as miríades do tempo

(que tudo cura)

e a poesia vagando

rumo ao mar inexorável da ausência.

Tão sutís se fazem as manhãs

na esteira das noites que morrem

tantas vezes quantas eu morri

indagando a mim mesmo

sobre a criança que espia à distância

o humano que em mim perece.

As horas se mostram tardias,

definitivas.

Há solidão na flor,

no crepúsculo,

no avesso do meu destino,

há solidão nas minhas mãos,

nos meus passos,

em plena rua.

Plausível poder tocá-la,

sentir seu acre perfume,

vê-la brotar nos campos

onde o orvalho veste de rendas

a alba dos curtos dias de inverno

e molha o canto que o vento traz

junto com a primavera,

que chega devagar

aragem nos ramos,

como se respondesse a mim.

Estou só...

em um campo verde entrecortado

pelas gotas da poesia sempre terna,

que brinca noite e dia

sob a minha janela caiada,

de silêncios atados ao nada.

A aurora faz das estrelas quietude

O dia nasce...

fazendo da senda mais um dia

diante da eternidade dos dias

Longe da vida toca um sino

A noite em cores se transforma

O dia nasce...

Estou só

J L Silva
Enviado por J L Silva em 09/09/2012
Reeditado em 09/09/2012
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