Máquina de escrever

Eu nunca imaginei

que um dia

eu teria que viver sem ela.

Confidente de todos os momentos

testemunha de intensos sentimentos

depositária de versos de amor...

Mas o tempo a matou

para ser insepulta abandonada

num cemitério de quinquilharias.

Foi um requinte sim de crueldade

se ela estava quietinha, aposentada,

revivendo no ocaso a sua glória

por prodígios dolorosos de memória

como um sonho de ouro que acabou.

Meus dedos conheciam o seu corpo

que se abria ao meu toque e gemia

ante a carícia estranha nas entranhas

com o gozo indizível de dizer,

desdizer e redizer sem fazer fita.

Antes de entrar na rota rumo ao fim

Ela me deu muitas boas impressões.

Imprimindo os meus caracteres

deu forma às minhas várias emoções.

Mas o tempo a (arre)matou,

levando-a desta para uma melhor.

Foi-se com ela para o abandono

seu amigo tão fiel papel carbono

manchado pelas lágrimas sentidas,

as lágrimas de cal do corretivo.

Por isso

para que eu não seja incomodado

pelo travo amargo da saudade

já joguei fora o meu certificado.