Noite na ilha

Por trás das máscaras

e da iniqüidade

há mundos

sustentados

pela indifernça

que corroem

a alma,

pisoteiam

as flores

do jardim,

amordaçam

o coração

e o canto

estará morto,

arrastado

pelo frio pranto.

A maldade não se cansa

e amanhece ao meu lado

com seu traje roto

dormitando

as minhas culpas,

ocultas nos sorrisos

e nos beijos

vermelhos como a sede

que treme

no cântaro

onde minha boca te esqueceu

como o soturno inverno

esquece o outono

e mergulha nas sombras

das noites longas

onde dormem

as palavras que a tarde

disse olhando para

alguém depois de mim.

E, assim,

pisando as folhas

que cairam no outono,

a noite faz-se fuga

e abrigo da vida

que o sonho e o vento do mar

me mostrou.

A vida em fuga,

a persona,

e os delirantes

sonhos infindos,

desconhecidos

até de quem os sonha,

num inverno

sem crepúsculos,

caem com a chuva,

adejam ao vento

que trouxe de longe

o engodo

das palavras

sem ânima.

Dorme nos escuros

o fogo diminuto

e solitário,

aflito,

na noite

onde o silêncio

burila a argila

e incendeia

o longo vôo do pássaro

adejando um novo arrebol.

Ergue-se a taça.

Bebamos a silente cicuta.

Pouco nos resta.

Bebamos à noite

que nos esconde de um mundo

para nos expor as entranhas,

expor nossos instintos mais

recônditos.

As noites

urdem

os ventos.

Longe,

no mar oscilante,

os barcos

são só recordações

e histórias,

povoando

de vagas

a ilusão.

O passado ressoa

atando as sombras

às tramas

dos dias que se afastam

no tempo incriado,

arrojando-se

pelas janelas

que tremeluzem

na sombra da luz

que vaza pela

greta

abandonada

dos pensamentos

intentando,

por longo tempo,

por noites sem fim,

unir o sol à lua,

traçar caminho nenhum.

Só nuvens

que o vento arrasta

e o destino

palpita sua sombra

pelos longos

e impoderáveis dias.

Diante da janela

caminha a vida.

Tremem as tardes,

absortas,

cheias dos sonhos

da infância,

chamando nomes

ausentes.

Sozinho, deito a cabeça

na névoa,

que vem com o segredo

do canto hierático

e harmônico

que urde a noite

sem margens.

Teu nome é

esta estrela perfumada

pelas palavras

que embalam e ofuscam

os crepúsculos irisados

e imóveis.

Não esqueço que te amei

e que te amando

este amor forjou a beleza

da chuva,

o canto hermético

da solidão,

o medo cansado,

a flor que brotou

entre as gretas

nas letras dos poemas.

No horizonte a noite

corre,

na distância,

ondulando,

a alba espera.

Vacilam as flores

que a noite esconde

e o vento embala

despedindo-se

das cores

e dos seus perfumes.

Longe...

longe...

longe...

onde ninguém me espera,

um sorriso triste

acende a candeia bruxuleante

de mais uma noite

na ilha,

onde o mar floresce

recriando a madrugada,

desvelando a primavera,

botando estrelas no céu,

servindo de espelho para a lua,

na imprecisão das águas

que giram, giram, giram...

soluçantes de solidão.