A noite sabe de mim

A noite sabe de mim

e me espera

mesmo quando eu a quero esquecer e me afasto

e busco, nos campos dourados pelo trigo, adormecer

a noite por mim espera

A noite vem... e perfumada pelos aromas suaves da primavera

me olha com olhos ternos

dando das bocas o beijo

E este gesto que assoma nas horas

que mascam o tempo entre a música da brisa nos lírios

e o cricrilar dos grilos,

absorto,

suave,

longínquo

este gesto espera sozinho a espuma de vasto mar

que nasce nos teus olhos

e brinca com os barcos brancos

no inverno da ilha

Os bosques,

silentes,

quietos,

desatam a nostalgia

das flores cálidas,

como o toque da tua mão,

como o afago

e o teu reflexo na água

A noite sabe de mim,

sabe da minha alma

e destes destinos solitários que se escondem

nas gotas de orvalho que acendem a luz do sol

Sabe das minhas dores,

meus amores,

das minhas cicatrizes,

do grito...

longe... longe... longe...

e da tristeza

que a vida arrastou para os meus olhos

A noite sabe como novembro é triste

Como, em novembro,

a gente se aproxima da cegueira

e os olhos não vêem as andorinhas nas tardes,

nem a aurora vertendo em vermelhos e laranjas

a sonolenta manhã

Não vê o coração opresso dormindo dentro do sonho

Não sente a pele eloqüente

Não sente o silêncio navegando as fontes

Não sente a palavra corroendo como ácido

na absoluta iniqüidade do ser

Não sente...

não sente...

não sente...

não sente os rios opressos pelas margens

e o vazio (ul)trajado de esquecimento

e de desprezo

Não sente o frio lago

nem a queda das folhas na água fria do lago

que reflete a neblina bêbada de luz,

reflete o tempo que escorre na vidraça embaçada

e onde rabisco com os dedos os meus medos

que a noite conhece a todos

A noite sussurra poemas que escrevo com a neblina

do ocaso e na luz titubeante do círios acesos

entre as veleidades e as sombras do quarto

Quisera eu encontrar na Vida a sutileza dos sonhos

e dos poemas no prelúdio da amizade

Quisera viver entre homens o que me dizem os Deuses

e respirar os momentos nos quais florescem os lilases

A noite, lentamente, se evola nas madrugadas de agosto,

atônita, leve e fria como a canção dos meus sentimentos

Ouço a voz nos abismos

como o nítido choro cediço da criança sozinha

e assustada na névoa pardacenta

da melancolia a dardejar sua emoção

A noite cochila em meus olhos

úmidos dos últimos versos que li,

estiolando certezas,

dissovendo meus mundos,

como os lampiões que se apagam fenecem

as sombras nas paredes caiadas de um branco recente,

preenchendo as lacunas sujas dos cinzas

e dos alvacentos mistérios que as mãos da criança

tramam nas paredes como o barro primordial

A lua, grande e amarela, serena e inconclusa

amarela a rosa que brotou com as útimas chuvas

Deita sua claridade sobre as clandestinas

luzes que se dissipam pelas frinchas das telhas

por onde entra o vento que faz bruxulear as velas

que imitam os dias voláteis e amarelos

como a chama imprecando os segredos das noites

Em silêncio a noite me interroga e me define

em imagens como num jogo de espelhos

A brisa sopra, traçando arabescos no ar gelado

Há vestigios de tempo no ar

Um passado que ouve o vento

e seus passos lá fora...

...na noite que sabe de mim

como sabe do velho livro que a indiferença escreveu

em irresolutos arabescos

Lá, ao longe, o sino toca na igreja

A noite é um zimbório ermo e vazio

onde somente as estrelas fazem seus ninho

O sino canta os fragmentos do vento passando

entre os frêmitos da noite

e os tácitos ares da manhã que se aproxima

trazida pela multifoliada realidade

que engana a mim e a ti

pequenos suspiros no mundo,

das noites que nos contém

no tempo que flui através do sonho inaudito

Da janela debruçada sobre a madrugada

espero o amanhã que virá do mar

quebradiço e mudo,

andando os longos caminhos,

pelas cambiantes e inóspitas paragens

onde deixarei,

como o vento sibilando nas areias,

teu nome

que a noite orvalhou com o sereno

forjado na penumbra distraida dos tempos

A noite flui como a canção do rio contrito

e meus olhos fecham-se

[ouvindo-a

como quem ouve a ingenuidade

A noite concebe estrelas em silêncio

Adormeço,

sentindo nas vozes anacoretas

um frêmito que trespassa vida