veias da tarde

Quando chegava a noite, eu me assustava, me retraia pra dentro de mim..

a solidão intensa, o medo de morrer ou perder mais alguem...e a tarde lá fora me mostrava por dentro. o céu

ficando preto, os passaros descendo nas árvores, as lavadeiras tristes, com bacia na cabeça, pouco dinheiro por um dia inteiro de labuta, os senhorinhas nas janelas

olhando sei lá o quê na rua, o pobreza extrema dentro de casa. sem café, sem pão, ou mesmo uma sopa, meu pai acabrunhado de vergonha de não poder ser homem,

de não dar conta da família, de não poder mostrar o que

de verdade sabia fazer....minha mãe sobre o fogão, tantando acender o fogo, pedaços de plasticos,

sobre o graveto seco, os outros meninos criando invenções na cabeça pra se distrair da fome, e fumaça

se espalhando pela cozinha e minha vó sentada no tamporete de vime, velho, murcho, mascando fumo e cuspindo no chão...

- vai ali, menino. fala pra comadre zelita pra mandar um

pouco de açúcar e café,

- manda juliano,

- vai logo,

- so manda eu nessas vergonha...

e juliano ria por se safar. saia pela porta da rua, algumas meninas ja subindo para o colégio, o dia terminando, nem claro nem escuro, só o susto da indefinação...sentava na calçada na frente da casa

de dona zelita, pensava o jeito de entrar, como dizer...

que palavras usar pra pedir, ser sério, ser humilde, fingir que não precisa, mentir em casa e dizer que a casa estava fechada, que chamei que chamei que chamei

e ninguém apareceu....nao sabia o que dizer, como dizer, que palavras usar....meus pés sujos, eu fiquei olhando pra sujeira de meu pé, como é descuidado, como minhas unhas são sujas, depois a minha, unha de cavador, de cavar terra no quintal, o dia todo cavando, sei lá o quê,

sei lá o quê eu procurava embaixo da terra.

veio imagem de meu pai, bem triste desde que perdeu a saúde e nao podia mais trabalhar, de minha mãe quase se matando lavando roupa no rio por quase nada, por quase nada ela morria. todos os dias...meu irmãos, cada uma mais feio que o outro, catarrento, sujo como eu, bem sujo como eu...a gente não se limpa, sei lá porque...

o céu mostrava meu medo, cada vez mais escuro, cada vez mais estranho, algumas estrelas, poucas, pardas, pequenas, a serra já preta e quase sumindo no meio da noite, suja como minha unhas...olhava pra casa de dona zelita, era mais bonita e tinha uma janela verde e sua tinta era nova, dava pra ver, era bonita a casa, parecia

com os dias em que a gente era feliz.....

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dentro da tarde, no

sangue que corre nas

artérias da tarde, nas

suas veias revoltas, dentro

dessa tarde parte morta,

eu te vejo, e me acedo

de brasa, pois tudo que

quero é sua alegria

sua roupa nua, seu beijo

barato, seu entorno de prata..

eu quero seus braços nos meus

braços como gangorra dentro

do sexo da tarde....