[03h09 - Asfalto Insone - Essas Ruas Vazias do Desterro]
À noite, as coisas me falam em outra língua. Converso com o carro, primeiro... "ele" sabe que vai executar um blues para mim; é só dar a partida... depois, enquanto rodo pelas ruas vazias, o asfalto se transfigura, tem outra rota de chegada para os meus olhos. Loucura bastante de parar, descer do carro e passar a mão no asfalto mudo; para os meus olhos doentios, este é um modo de passar a mão no vazio... Como eu, o asfalto é insone [é?! que é isto, Carlos!?] e está ligado a outras partes do país, pode me levar para outras noites, sem interrupção.
... e também, estou de saco cheio com esse inútil passatempo do remoer do tempo passado... e mais: por que nada vale nada, nada tem importância, por que eu só perco o momento que eu tenho nas mãos, dane-se a farmácia, a esquina, a igreja... dane-se tudo! Eu perdi o brilhante e estudado momento que eu quis ter com voce... são perdas necessárias da vida. Paciência... acho outros momentos, uai!
Vivo mesmo no quase de cada perda: ainda pouco, na friagem da noite, tornei a sentir aquelas mãos macias, sensuais; ouvi aquela voz calma que afugenta os meus medos... Mas, durou pouco... é só outra perda, só outro momento esvaído em nada... e mais nada!
Eu não quero nada, nada... ninguém pode me dar nada, e se me desse algo, estaria me dando tão somente... outra perda! Estou cansado de perder gentes, coisas, prazeres, partidas... Se parto, penso logo no retorno, e perco a partida também! Por que diabos tenho eu de ir aos outros e ninguém vem a mim? O que há de errado comigo? Com certeza, estou bebendo menos... é isto, ou quase isto!
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[Ruas Vazias do Desterro, 31 de agosto de 2012]