Eu e a Poesia de um Sol Noturno no Purgatório

Sou eu e a noite

e os ventos assoviam

e as corujas me olham

e os lobos degustam luas.

Sou eu e a noite

e um papiro calado

calafrios e uma pena

entre as inspirações.

Sou eu e a noite

e o sangue correndo

em rios caudalosos

e o futuro na teimancia.

Sou eu e a noite

entre múmias de faraós

e arcanos inexoráveis

e verdades incognoscíveis.

Sou eu e a noite

e a virgem prostituída

entre os cães do inferno

e minhas mãos tremem.

Agora já não sou

e as estrelas caem

acendendo os campos

e degolando os videntes.

Agora é somente à noite

e a carruagem não para

puxada pelos leões alados

e pelo homem-águia.

Agora sou eu e o amanhecer

ressuscitando as palavras

escritas por um vetusto

e gravadas na rocha submersa.

Agora é somente o sol crepitando

e o aço jorra das entranhas

forjando o cálice e a espada

forjando a alma inebriada de insensatez.

Sou eu e o sol

e Ícaro sob o solo

e ampulhetas mortas

e a poesia que chega ao final.