João e Luiza

eu levava uma lua no bolso

um sol no rosto

e um certo desconforto no olhar

na manhã solene e azul

eu via em cada quadra

em cada face

em cada gesto

uma certa esperança

uma certa descuidada vontade de viver

a moça dos olhos verdes

que vendia pastéis na calçada

tinha os olhos castanhos

e se chamava Luiza

não posso com pastéis

nunca pude com Luizas

dei os pastéis ao porteiro do prédio branco

ao porteiro do livro azul

ao porteiro que cuidava de sabiás

ao porteiro que anotava sobrenomes

e se chamava João

e contei a João, de Luiza

mas ele já sabia de Luiza

já amava o castanho dos olhos verdes de Luiza

e ensinava suas sabiás a cantarem por Luiza

'inda morro em morros

'inda morro abaixo

'inda morro ainda

mas ainda vivo

'inda vivo pra contar

do dia em que Luiza

ouvirá a sabiá

que João escondia

que João ensinava

que João escolhia

o nome da sabiá

feito o nome de Luiza

eu levava uma lua no bolso

um sol no rosto

e um certo desconforto no olhar

parti quase sozinho

deixei a lua para Luiza

deixei o sol para João

o desconforto no olhar viajou comigo

viaja comigo

faz parte de mim

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Andarilho (Ana Maria Gazzaneo)

"o poeta é assim:

vive e é como flutuasse

parte e é como permanecesse

quem poderia defini-lo?

eterno andarilho

faz de cada aceno

estribilho de sua eterna missão de aninhar"

Ana Maria Gazzaneo

Capiau da roça
Enviado por Capiau da roça em 26/08/2012
Reeditado em 27/08/2012
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