João e Luiza
eu levava uma lua no bolso
um sol no rosto
e um certo desconforto no olhar
na manhã solene e azul
eu via em cada quadra
em cada face
em cada gesto
uma certa esperança
uma certa descuidada vontade de viver
a moça dos olhos verdes
que vendia pastéis na calçada
tinha os olhos castanhos
e se chamava Luiza
não posso com pastéis
nunca pude com Luizas
dei os pastéis ao porteiro do prédio branco
ao porteiro do livro azul
ao porteiro que cuidava de sabiás
ao porteiro que anotava sobrenomes
e se chamava João
e contei a João, de Luiza
mas ele já sabia de Luiza
já amava o castanho dos olhos verdes de Luiza
e ensinava suas sabiás a cantarem por Luiza
'inda morro em morros
'inda morro abaixo
'inda morro ainda
mas ainda vivo
'inda vivo pra contar
do dia em que Luiza
ouvirá a sabiá
que João escondia
que João ensinava
que João escolhia
o nome da sabiá
feito o nome de Luiza
eu levava uma lua no bolso
um sol no rosto
e um certo desconforto no olhar
parti quase sozinho
deixei a lua para Luiza
deixei o sol para João
o desconforto no olhar viajou comigo
viaja comigo
faz parte de mim
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Andarilho (Ana Maria Gazzaneo)
"o poeta é assim:
vive e é como flutuasse
parte e é como permanecesse
quem poderia defini-lo?
eterno andarilho
faz de cada aceno
estribilho de sua eterna missão de aninhar"
Ana Maria Gazzaneo