À Janela de Garcia de Rezende
Janela antiga sobre a rua plana...
Ilumina-a o luar com o seu clarão...
Dantes, a descansar de luta insana,
Fui, talvez, flor no poético balcão...

 
Dantes! Da minha glória altiva e ufana,
Talvez... Quem sabe?... Tonto de ilusão,
Meu rude coração de alentejana
Me palpitasse ao luar nesse balcão...

 
Mística dona, em outras Primaveras,
Em refulgentes horas de outras eras,
Vi passar o cortejo ao sol doirado...

 
Bandeiras! Pajens! O pendão real!
E na tua mão, vermelha, triunfal,
Minha divisa: um coração chagado!...

 
 
 
                  À Morte
Morte, minha Senhora Dona Morte,
Tão bom que deve ser o teu abraço!
Lânguido e doce como um doce laço
E como uma raiz, sereno e forte.

 
Não há mal que não sare ou não conforte
Tua mão que nos guia passo a passo,
Em ti, dentro de ti, no teu regaço
Não há triste destino nem má sorte.

 
Dona Morte dos dedos de veludo,
Fecha-me os olhos que já viram tudo!
Prende-me as asas que voaram tanto!

 
Vim da Moirama, sou filha de rei,
Má fada me encantou e aqui fiquei
À tua espera,... quebra-me o encanto!

 
 
 
                Ai, meu Portugal!
Passam no teu olhar nobres cortejos,
Frotas, pendões ao vento sobranceiros.
Lindos versos de antigos romanceiros,
Céus do Oriente, em brasa, como beijos,

 
Mares onde não cabem teus desejos;
Passam no teu olhar mundos inteiros,
Todo um povo de heróis e marinheiros,
Lanças nuas em rútilos lampejos;

 
Passam lendas e sonhos e milagres!
Passa a Índia, a visão do Infante em Sagres,
Em centelhas de crença e de certeza!

 
E ao sentir-te tão grande, ao ver-te assim,
Amor, julgo trazer dentro de mim
Um pedaço da terra portuguesa!

 
 
 
                Amor que Morre
O nosso amor morreu... Quem o diria!
Quem o pensara mesmo ao ver-me tonta.
Ceguinha de te ver, sem ver a conta
Do tempo que passava, que fugia!

 
Bem estava a sentir que ele morria...
E outro clarão, ao longe, já desponta!
Um engano que morre... e logo aponta
A luz doutra miragem fugidia...

 
Eu bem sei, meu Amor, que pra viver
São precisos amores, pra morrer
E são precisos sonhos pra partir.

 
Eu bem sei, meu Amor, que era preciso
Fazer do amor que parte o claro riso
Doutro amor impossível que há de vir!

 
 
 
                        Blasfêmia
Cala-te... Escuta... Não me digas nada...
Cai a noite nos longes donde vim...
Toda eu sou alma e amor! Sou um jardim!
Um pátio alucinante de Granada!

 
Dos meus cílios, a sombra enluarada,
Quando os teus olhos descem sobre mim,
Traça trêmulas hastes de jasmim
Na palidez da face extasiada!

 
Sou no teu rosto a luz que o alumia...
Sou a expressão das tuas mãos de raça...
E os beijos que me dás já foram meus...

 
Em ti sou glória, altura e poesia!
E vejo-me (Oh, milagre cheio de graça!)
Dentro de ti, em ti, igual a Deus!...

 
 
 
                       Chopin
Não se acende hoje a luz... Todo o luar
Fique lá fora. Bem aparecidas
As estrelas miudinhas, dando no ar
As voltas dum cordão de margaridas!

 
Entram falenas meio entontecidas...
Lusco-fusco... Um morcego, a palpitar,
Passa... torna a passar... torna a passar...
As coisas têm o ar de adormecidas...

 
Mansinho... Roça os dedos p’lo teclado,
No vago arfar que tudo alteia e doira,
Alma, Sacrário de Almas, meu Amado!

 
E, enquanto o piano a doce queixa exala,
Divina e triste, a grande sombra loira,
Vem para mim da escuridão da sala...

 
 
 
         Deixai Entrar a Morte
Deixai entrar a Morte, a Iluminada,
A que vem para mim, pra me levar.
Abri todas as portas par em par
Com asas a bater em revoada.

 
Que sou eu neste mundo? A deserdada,
A que prendeu nas mãos todo o luar,
A vida inteira, o sonho, a terra, o mar
E que, ao abri-las, não encontrou nada!

 
Ó Mãe! Ó minha Mãe, pra que nasceste?
Entre agonias e em dores tamanhas
Pra que foi, dize lá, que me trouxeste

 
Dentro de ti? Pra que eu tivesse sido
Somente o fruto amargo das entranhas
Dum lírio que em má hora foi nascido!...



 
                 Divino Instante
Ser uma pobre morta inerte e fria,
Hierática, deitada sob a terra,
Sem saber se no mundo há paz ou guerra,
Sem ver nascer, sem ver morrer o dia,

 
Luz apagada ao alto e que alumia,
Boca fechada à fala que não erra,
Urna de bronze que a Verdade encerra,
Ah! ser Eu essa morta inerte e fria!

 
Ah, fixar o efêmero! Esse instante
Em que o teu beijo sôfrego de amante
Queima o meu corpo frágil de âmbar loiro;

 
Ah, fixar o momento em que, dolente,
Tuas pálpebras descem, lentamente,
Sobre a vertigem dos teus olhos de oiro!



 
                      Em Vão
Passo triste na vida e triste sou
Um pobre a quem jamais quiseram bem!
Um caminhante exausto que passou,
Que não diz onde vai nem donde vem.

 
Ah! Sem piedade, a rir, tanto desdém
A flor da minha boca desdenhou!
Solitário convento onde ninguém
A silenciosa cela procurou!

 
E eu quero bem a tudo, a toda a gente!...
Ando a amar assim, perdidamente,
A acalentar o mundo nos meus braços!

 
E tem passado, em vão, a mocidade
Sem que no meu caminho uma saudade
Abra em flores a sombra dos meus passos!

 
 
 
                        Escrava
Ó meu Deus, ó meu dono, ó meu senhor,
Eu te saúdo, olhar do meu olhar,
Fala da minha boca a palpitar,
Gesto das minhas mãos tontas de amor!

 
Que te seja propício o astro e a flor,
Que a teus pés se incline a terra e o mar,
P’los séculos dos séculos sem par,
Ó meu Deus, ó meu dono, ó meu senhor!

 
Eu, doce e humilde escrava, te saúdo,
E, de mãos postas, em sentida prece,
Canto teus olhos de oiro e de veludo.

 
Ah, esse verso imenso de ansiedade,
Esse verso de amor que te fizesse
Ser eterno por toda a Eternidade!...

 
 
 
              Esquecimento
Esse de quem eu era e que era meu,
Que foi um sonho e foi realidade,
Que me vestiu a alma de saudade,
Para sempre de mim desapar’ceu.

 
Tudo em redor então escureceu,
E foi longínqua toda a claridade!
Ceguei... tateio sombras... Que ansiedade!
Apalpo cinzas porque tudo ardeu!

 
Descem em mim poentes de Novembro...
A sombra dos meus olhos, a escurecer...
Veste de roxo e negro os crisântemos...

 
E desse que era meu já me não lembro...
Ah, a doce agonia de esquecer
A lembrar doidamente o que esquecemos!...

 
 
 
                   Évora
Évora! Ruas ermas sob os céus
Cor de violetas roxas... Ruas frades
Pedindo em triste penitência a Deus
Que nos perdoe as míseras vaidades!

 
Tenho corrido em vão tantas cidades!
E só aqui recordo os beijos teus,
E só aqui eu sinto que são meus
Os sonhos que sonhei noutras idades!

 
Évora!... O teu olhar... o teu perfil...
Tua boca sinuosa, um mês de Abril
Que o coração no peito me alvoroça!

 
...Em cada viela o vulto dum fantasma...
E a minha alma soturna escuta e pasma...
E sente-se passar menina-e-moça...

 
 
 
                        Livre e Feliz
E não sou de ninguém... Quem me quiser
Há de ser luz do sol em tardes quentes,
Nos olhos de água clara há de trazer
As fúlgidas pupilas das videntes!

Há de ser seiva no botão repleto
Voz no murmúrio do pequeno inseto,
Vento que enfuna as velas sobre os mastros!...

Há de ser Outro e Outro num momento!
Força viva, brutal, em movimento,
Astro arrastando catadupas de astros!

 
 
 
                  Loucura
Tudo cai! Tudo tomba! Derrocada
Pavorosa! Não sei onde era dantes.
Meu solar, meus palácios meus mirantes!
Não sei de nada, Deus, não sei de nada!...

 
Passa em tropel febril a cavalgada
Das paixões e loucuras triunfantes!
Rasgam-se as sedas, quebram-se os diamantes!
Não tenho nada, Deus, não tenho nada!...

 
Pesadelos de insônia, ébrios de anseio!
Loucura a esboçar-se, a enegrecer
Cada vez mais as trevas do meu seio!

 
Ó pavoroso mal de ser sozinha!
Ó pavoroso e atroz mal de trazer
Tantas almas a rir dentro da minha!

 
 
 
           Navios-Fantasmas
O arabesco fantástico do fumo
Do meu cigarro traça o que disseste,
A azul, no ar; e o que me escreveste,
E tudo o que sonhaste e eu presumo.

 
Para a minha alma estática e sem rumo,
A lembrança de tudo o que me deste
Passa como o navio que perdeste,
No arabesco fantástico do fumo...

 
Lá vão! Lá vão! Sem velas e sem mastros,
Têm o brilho rutilante de astros,
Navios-fantasmas, perdem-se a distância!

 
Vão-me buscar, sem mastros e sem velas,
Noiva-menina, as doidas caravelas,
Ao ignoto País da minha infância...

 
 
 
                 Nihil Novum
Na penumbra do pórtico encantado
De Bruges, noutras eras,já vivi;
Vi os templos do Egito com Loti;
Lancei flores, na Índia, ao rio sagrado.

 
No horizonte de bruma opalizado,
Frente ao Bósforo errei, pensando em ti!
O silêncio dos claustros conheci
Pelos poentes de nácar e brocado...

 
Mordi as rosas brancas de Ispahan
E o gosto a cinza em todas era igual!
Sempre a charneca bárbara e deserta,

 
Triste, a florir numa ansiedade vã!
Sempre da vida - o mesmo estranho mal,
E o coração - a mesma chaga aberta!

 
 
 
                     Noite de Chuva
Chuva... Que gotas grossas!... Vem ouvir:
Uma... duas... mais outra que desceu...
É Viviana, é Melusina a rir,
São rosas brancas dum rosal do céu...

 
Os lilases deixaram-se dormir...
Nem um frêmito... a terra emudeceu...
Amor! Vem ver estrelas a cair:
Uma... duas... mais outra que desceu...

 
Fala baixo, juntinho ao meu ouvido,
Que essa fala de amor seja um gemido,
Um murmúrio, um soluço, um ai desfeito...

 
Ah, deixa à noite o seu encanto triste!
E a mim... o teu amor que mal existe,
Chuva a cair na noite do meu peito!

 
 
 
              O meu Desejo
Vejo-te só a ti no azul dos céus,
Olhando a nuvem de oiro que flutua...
Ó minha perfeição que criou Deus
E que num dia lindo me fez sua!

 
Nos altos que diviso pela rua,
Que cruzam os seus passos com os meus...
Minha boca tem fome só da tua!
Meus olhos têm sede só dos teus!

 
Sombra da tua sombra, doce e calma,
Sou a grande quimera da tua alma
E, sem viver, ando a viver contigo...

 
Deixa-me andar assim no teu caminho
Por toda a vida, Amor, devagarinho,
Até a morte me levar consigo...

 
 
 
              O meu Impossível
Minh’alma ardente é uma fogueira acesa,
É um brasido enorme a crepitar!
Ânsia de procurar sem encontrar
A chama onde queimar uma incerteza!

 
Tudo é vago e incompleto! E o que mais pesa
É nada ser perfeito! É deslumbrar
A noite tormentosa até cegar
E tudo ser em vão! Deus, que tristeza!...

 
Aos meus irmãos na dor já disse tudo
E não me compreenderam!... Vão e mudo
Foi tudo o que entendi e o que pressinto...

 
Mas se eu pudesse, a mágoa que em mim chora. Contar, não a chorava como agora,
Irmãos, não a sentia como a sinto!...

 
 

                   Para Quê?
                            Ao velho amigo João
Para que ser o musgo do rochedo
Ou urze atormentada da montanha?
Se a arranca a ansiedade e o medo
E este enleio e esta angústia estranha

 
E todo este feitiço e este enredo
Do nosso próprio peito? E é tamanha
E tão profunda a gente que o segredo
Da vida como um grande mar nos banha?

 
Pra que ser asa quando a gente voa
De que serve ser cântico se entoa
Toda a canção de amor do Universo?

 
Para que ser altura e ansiedade,
Se se pode gritar uma Verdade
Ao mundo vão nas sílabas dum verso?

 
 
 
                  Pobrezinha
Nas nossas duas sinas tão contrárias
Um pelo outro somos ignorados:
Sou filha de regiões imaginárias,
Tu pisas mundos firmes já pisados.

 
Trago no olhar visões extraordinárias
De coisas que abracei de olhos fechados... -
Em mim não trago nada, como os párias...
Só tenho os astros, como os deserdados...

 
E das tuas riquezas e de ti
Nada me deste e eu nada recebi,
Nem o beijo que passa e que consola.

 
E o meu corpo, minh'alma e coração
Tudo em risos poisei na tua mão!...
...Ah, como é bom um pobre dar esmola!...

 
 
 
                Primavera
É Primavera agora, meu Amor!
O campo despe a veste de estamenha;
Não há árvore nenhuma que não tenha
O coração aberto, todo em flor!

 
Ah! Deixa-te vogar, calmo, ao sabor
Da vida... não há bem que nos não venha
Dum mal que o nosso orgulho em vão desdenha!
Não há bem que não possa ser melhor!

 
Também despi meu triste burel pardo,
E agora cheiro a rosmaninho e a nardo
E ando agora tonta, à tua espera...

 
Pus rosas cor-de-rosa em meus cabelos...
Parecem um rosal! Vem desprendê-los!
Meu Amor, meu Amor, é Primavera!...

 
 

                 Roseira Brava
Há nos teus olhos de oiro um tal fulgor
E no teu riso tanta claridade,
Que o lembrar-me de ti é ter saudade
Duma roseira brava toda em flor.

 
Tuas mãos foram feitas para a dor,
Para os gestos de doçura e piedade;
E os teus beijos de sonho e de ansiedade
São como a alma a arder do próprio amor!

 
Nasci envolta em trajes de mendiga;
E, ao dares-me o teu amor de maravilha,
Deste-me o manto de oiro de rainha!

 
Tua irmã... teu amor... e tua amiga...
E também - toda em flor - a tua filha,
Minha roseira brava que é só minha!...

 


                     Silêncio!...
No fadário que é meu, neste penar,
Noite alta, noite escura, noite morta,
Sou o vento que geme e quer entrar,
Sou o vento que vai bater-te à porta...

 
Vivo longe de ti, mas que me importa?
Se eu já não vivo em mim! Ando a vaguear
Em roda à tua casa, a procurar
Beber-te a voz, apaixonada, absorta!

 
Estou junto de ti e não me vês...
Quantas vezes no livro que tu lês
Meu olhar se poisou e se perdeu!

 
Trago-te como um filho nos meus braços!
E na tua casa... Escuta!... Uns leves passos...
Silêncio, meu Amor!... Abre! Sou eu!...

 
 
 
                 Sobre a Neve
Sobre mim, teu desdém, pesado jaz
Como um manto de neve... Quem dissera
Porque tombou em plena Primavera
Toda essa neve que o Inverno traz!

 
Coroavas-me inda há pouco de lilás
E de rosas silvestres... quando eu era
Aquela que o Destino prometera
Aos teus rútilos sonhos de rapaz!

 
Dos beijos que me deste não te importas,
Asas paradas de andorinhas mortas...
Folhas de Outono em correria louca...

 
Mas inda um dia, em mim, ébrio de cor,
Há de nascer um roseiral em flor
Ao sol de Primavera doutra boca!




                     Sonho Vago
Um sonho alado que nasceu num instante,
Erguido ao alto em horas de demência...
Gotas de água que tombam em cadência
Na minh’alma tristíssima, distante...

 
Onde está ele o Desejado? O Infante?
O que há de vir e amar-me em doida ardência?
O das horas de mágoa e penitência?
O Príncipe Encantado? O Eleito? O Amante?

 
E neste sonho eu já nem sei quem sou...
O brando marulhar dum longo beijo
Que não chegou a dar-se e que passou...

 
Um fogo-fátuo rútilo, talvez...
E eu ando a procurar-te e já te vejo!...
E tu já me encontraste e não me vês!...



 
                    Tarde de Música
Só Schumann, meu Amor! Serenidade...
Não assustes os sonhos... Ah!, não varras
As quimeras... Amor, senão esbarras
Na minha vaga imaterialidade...

 
Liszt, agora, o brilhante; o piano arde...
Beijos alados... ecos de fanfarras...
Pétalas dos teus dedos feito garras...
Como cai em pó de oiro o ar da tarde!

 
Eu olhava para ti... “É lindo! Ideal!”
Gemeram nossas vozes confundidas.
- Havia rosas cor-de-rosa aos molhos –

 
Falavas de Liszt e eu... da musical
Harmonia das pálpebras descidas,
Do ritmo dos teus cílios sobre os olhos...



 
Último Sonho de “Sóror Saudade"
Àquele que se perdera no caminho...
 
Sóror Saudade abriu a sua cela...
E, num encanto que ninguém traduz,
Despiu o manto negro que era dela,
Seu vestido de noiva de Jesus.

 
E a noite escura, extasiada ao vê-la,
As brancas mãos no peito quase em cruz,
Teve um brilhar feérico de estrela
Que se esfolhasse em pétalas de luz!

 
Sóror Saudade olhou... Que olhar profundo
Que sonha e espera?... Ah! como é feio
o mundo.
E os homens vãos! - Então, devagarinho,

 
Sóror Saudade entrou no seu convento...
E, até morrer, rezou, sem um lamento,
Por Um que se perdera no caminho!...

 
 
 
                      Vão Orgulho
Neste mundo vaidoso o amor é nada,
É um orgulho a mais, outra vaidade,
A coroa de loiros desfolhada
Com que se espera a Imortalidade.

 
Ser Beatriz! Natércia! Irrealidade...
Mentira... Engano de alma desvairada...
Onde está desses braços a verdade,
Essa fogueira em cinzas apagada?...

 
Mentira! Não te quis... não me quiseste...
Eflúvios subtis dum bem celeste?
Gestos... palavras sem nenhum condão...

 
Mentira! Não fui tua... não! Somente...
Quis ser mais do que sou, mais do que gente,
No alto orgulho de o ter sido em vão!...

 
 
 
                Voz que se Cala
Amo as pedras, os astros e o luar
Que beija as ervas do atalho escuro,
Amo as águas de anil e o doce olhar
Dos animais, divinamente puro.

 
Amo a hera que entende a voz do muro,
E dos sapos, o brando tilintar
De cristais que se afagam devagar,
E da minha charneca o rosto duro.

 
Amo todos os sonhos que se calam
De corações que sentem e não falam,
Tudo o que é Infinito e pequenino!

 
Asa que nos protege a todos nós!
Soluço imenso, eterno, que é a voz
Do nosso grande e mísero Destino!...

 
 
 
          Nota:
     Guido Battelli deu o título deste livro, ficando depositário destes originais após a morte da poetisa. Foi publicado, como apêndice, nas 2ª e 3ª edições de Charneca em flor.



Florbela Espanca
Enviado por Jô do Recanto das Letras em 26/08/2012
Código do texto: T3849479
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