[Velha Estrada]

[Viajando pela Rodovia BR050, rota do Planalto Central do Brasil]

Agora, tem asfalto, é rápida,

nem dá tempo de pensar muito,

tenho de parar o carro e procurar o lugar do acontecido.

***

Naquele agosto seco, era um poeirão só...

Ao longe, as queimadas da cumeada da serra do Rio Jordão

avermelhavam o céu na secura da tarde fria de agosto.

O ar frio da baixada do rio

enche de tristeza o meu coração.

Deitado na carroçaria da camionete,

prego os olhos no céu estrelado

e penso que a vida podia acabar agora,

no despenhadeiro da beira do rio...

A tristeza veio no rastro da gente...

Na cozinha da fazenda, Maria era uma só,

mas no céu era e são três as Marias,

e para piorar, ainda mais o Cruzeiro do Sul,

a encher-me o peito de saudade indefinível

de coisas dos meus invividos de menino sensivo!

E na subida cascalhada da serra, o encontro:

meu tio para a camionete e espera...

Lá embaixo, vem vindo o compadre Queu

com o seu Ford 29 resfolegando serra acima.

Bom sujeito — bochechas amarelentas,

e aqueles olhos calmos, sem luta,

olhos de nada mais querer

e de ser sempre apenas o que se é!

Conversa curta, fala sincopada, mal dá pra ouvir

o que dizem ele e o meu tio:

— E o gado?

— Ah, faz dó...

— É... seca braba...

— Perda?

— ‘Té agora, seis!

Despedem-se, partimos.

O fordeco não é páreo para a camionete,

por instantes, ele ainda nos segue serra acima,

mas logo fica pra trás, some além da curva.

O instante da parada na serra é uma fotografia à-toa,

sem assunto para mim, para ninguém... será?

Esse encontro na serra não é nada,

não diz nada, não contém nada!

Mas então, por que essa fotografia não se esmaece,

não me sai de vez da lembrança?!

Seria por causa daquele par de olhos calmos, sem luta,

do céu estrelado, ou da tristeza da volta à cidade?

***

Torno a mim... toco o meu carro, e fico imaginando se lá atrás,

vem vindo um Ford 29 resfolegando serra acima...

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[Penas do Desterro, 22 de abril de 2002]