Insanidade
Menino novo criado com todo carinho
pelo pai, pela mãe.
Xodó do irmão mais velho que teimava em lhe revolver os cabelos de fios louros quase lisos
que lhe davam aparência de quase um menino anjo.
Seus olhos travessos, irrequietos, chamegos
pediam por traquinas e travessuras,
suas mãos pequeninas, macias, gostosas
acariciavam de seu jeito maroto o rosto de quem dele se aproximava.
Suas pernas ágeis, pequenas, escorregadias
faziam dele companheiro certo da cachorrada do sítio onde morava.
Pernas que o ajudavam a trepar nas árvores e se balançar de ponta-cabeça do galho da velha Caramboleira.
De sua boca com desenho bonito, bem contornada, brotavam palavras doces, suaves e engraçadamente embaralhadas por uma língua quase presa que lhe permitia assobiar de forma diferente da molecada e por causa disso, sucesso absoluto fazia.
O tempo foi passando devagar, mas sempre. O menino cedeu lugar ao rapazote. As pernas encompridaram, ganharam ainda maior velocidade, as mãos ficaram um pouco calejadas por cauda do roçado, mas mantiveram a doçura do contato. Os olhos continuaram com brilho travesso no azul profundo que disputava com o céu outonal quem era mais azul. Os cabelos louros no trabalho ao sol ficaram ainda mais claros, porém, continuaram revoltos e alegres. A boca, de quando em vez, prendia um cigarro de palha quase nunca aceso, só para acompanhar nas horas da viola que tocava como se arpa fosse dedilhada por anjos.
Um dia o céu escureceu. Pássaros de metal reluzente em revoada assustadora começaram a espalhar as nuvens que pairavam sobre o sítio. O irmão mais velho havia sido tirado da família logo em seguida para ir para uma terra distante enfrentar o medo, a morte, a dor, a solidão do abandono. No início cartas, ainda que poucas, chegavam pelo carteiro a cavalo. Depois, foram rareando até não mais cruzarem a porteira. Os olhos da mãe passaram a ficar avermelhados. O seu sorriso alegre, deu vez a um riso nervosamente, disfarçado. O seu pai andava amuado, taciturno, se entregava ao roçado por todo o dia, até depois do sol se por e nada mais havia como enxergar.
Um dia, rapazes novos de uniforme preto cruzaram a porteira. Chamaram pelo pai, a mãe gritou, chorou, o pai a segurou; o filho mais novo teria que ir com eles. E foi.
Cartas chegaram do menino com letra bonita de se ver. Depois, com o tempo, as letras foram se apertando, perdendo a forma original, palavras que não escondiam mais a aflição. Um dia a última carta chegou. Sua mãe a beijou, passou-a suavemente pelo rosto e a guardou nos seios que foram os primeiros a beijar o menino lindo saído de suas entranhas e criado com tanto amor e carinho. Era ela apenas mais uma das milhões de mães que doaram seus filhos, em sangue, à insanidade dos homens covardes que fazem as guerras.