A alegria simples de existir
Quis o destino
(porque assim tinha que ser)
que aquela pinta
assimétrica
de duas cores
(preta e marrom),
que crescia
e se deformava
em pequenos
tentáculos
e raízes,
lhe cobrisse
e penetrasse
malignamente
a pele dura
e quase invisível
do couro cabeludo.
E lá,
passando
despercebida
sob vasta cabeleira negra,
ela cresceu
e aprofundou-se,
e suas sementes
pelo sangue
chegaram
primeiro
ao cérebro,
depois
ao fígado,
pâncreas
e intestino.
E quis o destino
(porque assim também tinha que ser)
que
nesses
órgãos
de massa
fértil
as sementes
germinassem
e crescessem
sem dor,
continuando
o corpo
suas brincadeiras,
resolvendo
seus assuntos,
e a mente
planejando
e sonhando,
porque,
afinal,
ninguém
acha
que
vai
morrer
aos
vinte
e cinco
anos.
Até
que vieram
os sintomas
(dores terríveis)
e um médico,
fingindo humanidade,
disse:
– Infelizmente, não há nada a fazer.
Mas quis o destino,
ou algo
muito
acima
de nossa
compreensão,
que
sim
houvesse
algo a fazer,
e depois de
um ano
de tratamento,
estava ele
curado.
E sua vida
como que
trocou de lente,
para melhor
captar
e sentir
os instantes,
as cores,
sabores
e odores,
enfim:
a alegria
simples
de existir.