O REVÓLVER E A BÍBLIA
TRIBUTO A MAIACOVSKI
“ Ó delicados!
Vós que pousais o amor sobre ternos violinos
Ou, grosseiros que os pousais sobre os metais!
Vós outros não podeis fazer como eu,
Virar-vos pelo avesso
E ser todos lábios. (...)
Maiacovski
***
Tantas estrelas!
Incontáveis como os grãos de areia
De um deserto absolutamente intransponível!
Por que serão tantas?
Gostaria de acreditar
Que elas são os neurônios de Deus
Pensando a conformação do universo.
Mas como justificar essa imagem
Se eu não sei se Deus existe?
Minha mente é um útero que só se presta à concepções
Daquilo que ela acredita ser viável.
O céu visto desta janela
Se parece com uma árvore de natal,
Também vejo nele um cérebro traçando um plano.
Não importa que essa visão,
Seja apenas uma ilusão de ótica
Derivada dos presentes que nunca ganho
E dos planos que não levei a cabo.
Um psicólogo diria isso e talvez estivesse certo.
Mas eu sou um poeta e vejo coisas
Como árvores de natal entre as estrelas
E circunvoluções de um cérebro demiúrgico
Traçando os planos do edifício cósmico.
Numa noite como esta é fácil acreditar em Deus.
Mas amanhã quando a verdadeira História
Estiver sendo feita nas ruas e nas fábricas
E os homens acreditarem que precisam de revoluções
Para mudar o que não lhes parece certo,
Pensarão que a necessidade de ganhar a vida
É o único motor que move seus pensamentos
E acionam os movimentos dos seus braços.
E guardarão Deus na gaveta do criado mudo
Para lerem em noites como esta
Como ainda lêem suas velhas Bíblias
Quando ninguém os está observando.
Um homem sensato não queima pontes
Ele sabe que o mundo é uma esfera
Que sempre gira sobre si mesma.
Cada giro é uma revolução completa,
Cada revolução ocorrida é necessária
Para que o mundo continue existindo.
Um ciclo começa onde o outro acaba.
Todo sistema gasta energia na organização
Todo sistema cria sua própria entropia.
Sim camarada Maiacovski! Fustiguemos a carroça da história,
A esquerda, a esquerda, á conquista dos oceanos,
Mas mantenhamos uma Bíblia na gaveta do criado mudo.
O mundo gira para a esquerda até a metade da esfera.
Depois ele converge para a direita.
O centro é o lugar em que estamos.
A direção certa é sempre aquela para onde olhamos
Com os olhos do nosso coração ardente
E a visão dos nossos desejos insatisfeitos.
Também desejei ardentemente a Revolução
Também escrevi panfletos incendiários
Também acreditei que havia um lugar assim
Onde o sol se levantava sobre um mundo novo
E guardei um velho revólver na gaveta
Para o caso de descobrir que isso era mentira.
Mas quando uma revolução acaba
É preciso começar outra imediatamente
Para corrigir os erros que a primeira cometeu.
Assim, de luta em luta, continuamos a lutar
Golpeando á esquerda ou á direita
Para onde a nossa boca se volta em busca de comida.
Hoje, de volta ao meu quarto e á minha janela
Vejo que só restaram as estrelas na noite imensa
E todas as minhas dúvidas anteriores.
Aos vinte e poucos anos eu também tinha muitas certezas.
Tú tirastes da gaveta do criado mudo o teu velho revólver
E eu me felicito por não ter queimado a minha Bíblia.
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Nota:
TRIBUTO A MAIACOVSKI
“ Ó delicados!
Vós que pousais o amor sobre ternos violinos
Ou, grosseiros que os pousais sobre os metais!
Vós outros não podeis fazer como eu,
Virar-vos pelo avesso
E ser todos lábios. (...)
Maiacovski
***
Tantas estrelas!
Incontáveis como os grãos de areia
De um deserto absolutamente intransponível!
Por que serão tantas?
Gostaria de acreditar
Que elas são os neurônios de Deus
Pensando a conformação do universo.
Mas como justificar essa imagem
Se eu não sei se Deus existe?
Minha mente é um útero que só se presta à concepções
Daquilo que ela acredita ser viável.
O céu visto desta janela
Se parece com uma árvore de natal,
Também vejo nele um cérebro traçando um plano.
Não importa que essa visão,
Seja apenas uma ilusão de ótica
Derivada dos presentes que nunca ganho
E dos planos que não levei a cabo.
Um psicólogo diria isso e talvez estivesse certo.
Mas eu sou um poeta e vejo coisas
Como árvores de natal entre as estrelas
E circunvoluções de um cérebro demiúrgico
Traçando os planos do edifício cósmico.
Numa noite como esta é fácil acreditar em Deus.
Mas amanhã quando a verdadeira História
Estiver sendo feita nas ruas e nas fábricas
E os homens acreditarem que precisam de revoluções
Para mudar o que não lhes parece certo,
Pensarão que a necessidade de ganhar a vida
É o único motor que move seus pensamentos
E acionam os movimentos dos seus braços.
E guardarão Deus na gaveta do criado mudo
Para lerem em noites como esta
Como ainda lêem suas velhas Bíblias
Quando ninguém os está observando.
Um homem sensato não queima pontes
Ele sabe que o mundo é uma esfera
Que sempre gira sobre si mesma.
Cada giro é uma revolução completa,
Cada revolução ocorrida é necessária
Para que o mundo continue existindo.
Um ciclo começa onde o outro acaba.
Todo sistema gasta energia na organização
Todo sistema cria sua própria entropia.
Sim camarada Maiacovski! Fustiguemos a carroça da história,
A esquerda, a esquerda, á conquista dos oceanos,
Mas mantenhamos uma Bíblia na gaveta do criado mudo.
O mundo gira para a esquerda até a metade da esfera.
Depois ele converge para a direita.
O centro é o lugar em que estamos.
A direção certa é sempre aquela para onde olhamos
Com os olhos do nosso coração ardente
E a visão dos nossos desejos insatisfeitos.
Também desejei ardentemente a Revolução
Também escrevi panfletos incendiários
Também acreditei que havia um lugar assim
Onde o sol se levantava sobre um mundo novo
E guardei um velho revólver na gaveta
Para o caso de descobrir que isso era mentira.
Mas quando uma revolução acaba
É preciso começar outra imediatamente
Para corrigir os erros que a primeira cometeu.
Assim, de luta em luta, continuamos a lutar
Golpeando á esquerda ou á direita
Para onde a nossa boca se volta em busca de comida.
Hoje, de volta ao meu quarto e á minha janela
Vejo que só restaram as estrelas na noite imensa
E todas as minhas dúvidas anteriores.
Aos vinte e poucos anos eu também tinha muitas certezas.
Tú tirastes da gaveta do criado mudo o teu velho revólver
E eu me felicito por não ter queimado a minha Bíblia.
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Nota:
Vladimir Vladimirovich Maiacovski(1893- 1930) foi a voz da Revolução Russa, o homem que a viveu em toda a sua plenitude, lutou por ela, acreditou nela e morreu por ela. Sua poesia é essencialmente política, pois versa sobre os ideais da revolução comunista, que ele defendeu com unhas e dentes. Mas também revela um profundo sentimento humano e uma apuradíssima técnica de composição que poucas vezes foi alcançada por outros poetas.
Maiacovski acreditou de verdade nesses ideais, por isso empregou todo seu talento literário na composição de verdadeiras obras primas poéticas que incendiaram os corações dos revolucionários e encantaram, pela beleza da suas imagens e pela técnica empregada nos seus versos soltos, á maneira de Walt Withman, todos os que o liam, fossem eles adeptos dos ideais comunistas ou não. Ele viveu de fato o movimento. Como artista da palavra foi o verdadeiro arauto da Revolução, criando, a partir da sua obra uma espécie de nova literatura soviética, que contrastava violentamente com os velhos padrões das letras russas, dominadas por grandes nomes como Dostoievsky, Tolstoi, Gorki, Essenin e outros.
Em sua trajetória, como poeta, jornalista, escritor e ativista político, Maiacovsky conheceu a prisão, envolveu-se em lutas e participou ativamente dos combates para a implantação do regime comunista na Rússia. Seu trabalho foi incansável nos primeiros anos de consolidação da Revolução, e as próprias contradições das facções em luta o levaram a tirar a própria vida num momento de desespero e dor.
Independente do ideal político que defendeu, e das próprias contradições que a sua vida pessoal apresenta, a obra de Maiacovski é grandiosa e respeitada por todos quantos admiram a arte da poesia. Por tudo isso vale a pena conhecê-lo.
Maiacovski acreditou de verdade nesses ideais, por isso empregou todo seu talento literário na composição de verdadeiras obras primas poéticas que incendiaram os corações dos revolucionários e encantaram, pela beleza da suas imagens e pela técnica empregada nos seus versos soltos, á maneira de Walt Withman, todos os que o liam, fossem eles adeptos dos ideais comunistas ou não. Ele viveu de fato o movimento. Como artista da palavra foi o verdadeiro arauto da Revolução, criando, a partir da sua obra uma espécie de nova literatura soviética, que contrastava violentamente com os velhos padrões das letras russas, dominadas por grandes nomes como Dostoievsky, Tolstoi, Gorki, Essenin e outros.
Em sua trajetória, como poeta, jornalista, escritor e ativista político, Maiacovsky conheceu a prisão, envolveu-se em lutas e participou ativamente dos combates para a implantação do regime comunista na Rússia. Seu trabalho foi incansável nos primeiros anos de consolidação da Revolução, e as próprias contradições das facções em luta o levaram a tirar a própria vida num momento de desespero e dor.
Independente do ideal político que defendeu, e das próprias contradições que a sua vida pessoal apresenta, a obra de Maiacovski é grandiosa e respeitada por todos quantos admiram a arte da poesia. Por tudo isso vale a pena conhecê-lo.