Claridade
Creio que possa se dar, no descuido de um amanhecer, de os meus olhos despertarem sãos. E tão vivos! Claro que pode haver de eu não me dar conta do milagre dessa manhã - de ela me ter lavado os olhos da herança de tantos sóis - e pode ser que eu ainda me queime, insensato.
Mas só até o primeiro café na esquina, até o primeiro desconhecido me abraçar as mãos e me sorrir nos olhos a, até então impossível, não obstante agora, inegável constatação:
- O que há de olhos tão claros?
E pode ser que eu creia, pois creio em cada nova manhã; pode ser que eu sinta e busque o meu primeiro reflexo a me brindar olhos limpos, olhos livres da escuridão que teima em me arrastar aos subterrâneos mais fundos do que há de mais escuro em mim.
E eu serei claro, nessa manhã. E me ouvirão o riso mais contundente, pelas ruas; o mais inebriante sorrir a fazer pouco dos raios de sol; a não dar notícias de dor e desânimo.
E buscarei cada leito de cada quarto de cada enfermaria que me acolheu, a deitar sossego a quem me cuidou:
- Vejam o que há de claro em meus olhos! Obrigado. Não volto mais.
E é possível que entendam. E, pois, haverão de abrir todas as janelas e todas as portas, até que todas as almas se escancarem e saiam às ruas se curando de todos os sentimentos adoentados de sombras. E nos faremos dizer às sombras, que não nos cabem mais sombras:
- Podem ir.
E o horizonte, então, se nos fará tão junto a nós, que partiremos mãos dadas até. Em fé. E águas calmas haverão de nos brotar dos olhos e regar cada palmo de verde até onde não haja lembrança sequer de escuridão.
Serão águas claras, de olhos claros e sãos.
Creio nessa manhã.