QUASE EPÍLOGO
Os olhos do homem idoso,
Cabelos brancos e glostorados,
Inventam maliciosamente
De divertir o passado,
O quanto lhe pedem as bravatas,
Sem receio do ridículo
Nem suspeita de demência.
Será que não?
Será que foi assim mesmo?
"Trapo velho mentiroso!", atiram-lhe às costas.
As mãos, cobertas de melanoses, se cruzam
E se apoiam sobre a barriga de pele flácida.
Mas os olhos, estes nem percebem
Que brilham como os de um moleque
Ao contar, todo prosa, uma façanha!
Assim era o avô.
As lembranças,
Caducas e pasteurizadas,
Desfilam no espaço dos ouvintes
(imaginários ou surdos)
Com esforço de sua fala asmática,
(repetitiva e guinchada),
O olhar perdido, em linha reta...
E nada teme,
Sequer as desmentíveis fantasias.
Num átimo, tudo é reconstruído!
Ou construído... Reciclado, talvez?
Narrativas do arco-da-velha
De alguém que não logrou a sorte
Do pote-de-ouro ao fim do arco-íris...
(Vida tão mudada! Tudo mudado...
Perdas sem ganhos.)
Quem as desmentirará?
Quem, se todos já se se foram,
E ninguém há para testemunhar?
"Está passado no tempo!",
Vivendo mais do que suportam os outros.
Ele e sua auto-propagada sanidade,
Cheiro de mofo,
De porão de guardados.
Tempo foi, tempo veio.
Termpo cambaleia.
Segue cambaio.
(golpes de sabre pra cortar um só lado, o necessário)
O Tempo, carrasco, esconde os passos.
Silenciosíssimo o tempo!
Gatuno. Sem luvas. Pantufas nos pés.
Seu lugar vazio de idoso
Será (des)ocupado.
No presente,
As bazófias
São garantia e aval
De seus últimos momentos,
Enquanto houver fôlego de gato.
Sentar-se e contar
Enquanto espera a ceifeira.
Alimento.
Rito de passagem
Enquanto é quase epílogo...
As histórias!
São o que lhe restam
De vida e dignidade...
O pó que ficou sobre os dias
Antes da meia-cadeira vazia...
Antes de chegar ao pó do pó.
foto: Fernando Figueiredo