A MEU PAI
(provocado por Vinícius de Moraes)

Partiste bem antes
que eu descobrisse o que seria
a minha estrada.
O sentimento que me ficou
foi de impotência, de frustração,
de raiva.
Foste um covarde
e um grande poeta
que nada escreveu.
Tua poesia ficou
soterrada em um turbilhão
de emoções, de meiguice
e de afetos apenas sugeridos
em gestos descuidados,
furtados da opressiva vigília
imposta pelo teu passado.
Eras um homem como te ensinaram.
Pelos teus olhos azuis, no entanto,
escapava a tua bondade.
Tempo levei para compreender
o que teus olhos diziam.
Tinhas um rosto bonito,
constantemente sério,
assolado pelas dores do viver.
Sempre me pareceu que te doía
viver. Teus ombros curvados
denotavam as asperezas do tempo,
mas eram macios quando acolhiam
meu corpo de criança
para uma cavalgada em campos
cobertos de margaridas.
Mal sabia eu que estes mesmos ombros
carregavam pesados fardos
de sonhos não realizados.
Quando caminhavas,
tinhas passos rápidos,
que minhas curtas pernas
dificilmente acompanhavam.
Na verdade, teus passos rápidos
apenas serviram para que chegasses
mais cedo na morte.
Tua mulher te odiava e sabias o quanto.
No entanto, eras conivente
com esta raiva da qual não tinhas culpa.
Foste a vítima maior
da tua covardia, mas não a única.
De um jeito ou de outro,
teus filhos pagaram por ela.
No que diz respeito a mim,
paguei quando me surraste
pelas raivas de minha mãe;
paguei quando me surraste
pelas tuas próprias raivas.
Raivas próprias do medo
de uma competição que não era minha.
Paguei por todas as proibições inúteis.
Paguei por todas as ausências
que ainda trago dentro de mim.
Mas o preço maior
ainda estou pagando,
porque em mim deixaste encravada,
como herança,
a tua covardia, a tua tristeza,
a tua poesia não escrita.

 
Nelson Eduardo Klafke
Enviado por Nelson Eduardo Klafke em 08/08/2012
Reeditado em 10/08/2014
Código do texto: T3819298
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