ILUSÕES NOS TEMPOS DA AIDS
Apenas o gosto amargo
Do tempo a me sufocar,
Que diante das aparências
Nada me faz relevar.
Algo que sinto distante
Guardado no peito,
Que me transmite um ar condenado
Dissipando o defeito
Das veias correntes
Que correm para a bomba
Do meu livre espaço,
Da fumaça que trago,
da aguardente que bebo,
Que alivia o cansaço
Dos dias sem cura,
Sem solução,
Das madrugadas quentes
Na cama da solidão.
Se meu corpo padece
E nada posso fazer,
Espero que algo me traga de volta
A alegria de viver,
Mas para quê ?
Se não posso ter a quem amo
E mesmo se pudesse
Não dividiríamos nenhum plano.
Nem mesmo posso dar a este
A viagem do orgasmo,
Que trago só na lembrança
Desde o dia que me finalizei pasmo.
Procuro acender no cigarro
Algo mais que o prazer,
Quando o expiro aos pulmões
Entorpeço-me de vitamina C:
“C de cigarro, C de câncer,
C de carne crua,
Esta carne que vejo
Cada dia mais nua,
Esta carne defeituosa
Feito uma roupa com bicho,
Que não tem conserto,
Só o futuro na lata do lixo”.
Não posso ser mais pessimista
Porque minha mente não deixa
E na solitária sala de espera
Toda porta se fecha.
Estas pílulas com siglas
Que a pouco cuspi
Não me retornam a nada,
Pois de tudo eu já desisti.
Maltrapilho, seco,
Ferido, contagioso;
Apenas caio mais neste abismo,
Além do fundo do poço.