ILUSÕES NOS TEMPOS DA AIDS

Apenas o gosto amargo

Do tempo a me sufocar,

Que diante das aparências

Nada me faz relevar.

Algo que sinto distante

Guardado no peito,

Que me transmite um ar condenado

Dissipando o defeito

Das veias correntes

Que correm para a bomba

Do meu livre espaço,

Da fumaça que trago,

da aguardente que bebo,

Que alivia o cansaço

Dos dias sem cura,

Sem solução,

Das madrugadas quentes

Na cama da solidão.

Se meu corpo padece

E nada posso fazer,

Espero que algo me traga de volta

A alegria de viver,

Mas para quê ?

Se não posso ter a quem amo

E mesmo se pudesse

Não dividiríamos nenhum plano.

Nem mesmo posso dar a este

A viagem do orgasmo,

Que trago só na lembrança

Desde o dia que me finalizei pasmo.

Procuro acender no cigarro

Algo mais que o prazer,

Quando o expiro aos pulmões

Entorpeço-me de vitamina C:

“C de cigarro, C de câncer,

C de carne crua,

Esta carne que vejo

Cada dia mais nua,

Esta carne defeituosa

Feito uma roupa com bicho,

Que não tem conserto,

Só o futuro na lata do lixo”.

Não posso ser mais pessimista

Porque minha mente não deixa

E na solitária sala de espera

Toda porta se fecha.

Estas pílulas com siglas

Que a pouco cuspi

Não me retornam a nada,

Pois de tudo eu já desisti.

Maltrapilho, seco,

Ferido, contagioso;

Apenas caio mais neste abismo,

Além do fundo do poço.

Mestre Malakazhan
Enviado por Mestre Malakazhan em 06/08/2012
Código do texto: T3816102
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