Da Varanda
A cidade é feita pra funcionar, né?
Apagaram as luzes cedo na varanda hoje.
Só dá pra ouvir os sinos vagabundos
pendurados em cordas
badalando ao vento,
som de metal,
som de frio.
Tem duas calçadas e duas pessoas,
mas nem levantam a cara, desviando dos contatos
das britas,
da fortuna,
na certeza da mão pesada do que tá escrito.
Desviando das luzes
dos carros
para evitar até o motorista solitário e sua música.
As crianças foram cedo pra cama,
só ficou o grupinho de aleluias perto do entulho.
Da luz.
Presente para nós,
pra custosa certeza de que tem gente ali pelo feito,
não pelo vivido.
O poste triste é o mijo do cachorro moderno,
de duas patas,
a conquista de território,
o eu esparramado e o palco vazio de uma solidão especial chamada conforto.
A única voz é a do silêncio, mas não dá pra escutar ela.
Tem que dormir,
o amanhã nem foi parido mas já foi promovido a chefe.
Mas escuta só um pouco esse silêncio,
tem muito eu pra dialogar ainda.
Foi o dia inteiro contando mármore,
o dia inteiro murmurando memórias,
o dia inteiro respondendo pra quês,
porquês, quandos, ondes, comos,
serás, entãos, sins e nãos.
O silêncio não tem respostas.
O silêncio não tem perguntas.
O silêncio tem.
O silêncio é.
O poste não é o mijo do cachorro, é concreto, vidro e cabo,
a música é vento
é ar e movimento,
a calçada é pedra e mato e bicho
e a varanda é ornamento.
A janela é ornamento.
O escuro é economia.
A escrita é pensamento.
A cidade é ilusão.