Noticiário
Não venha me falar agora,
querida
de como tudo era mais sublime
outrora...
o clima mais fresco,
a praia despoluída
e para os adeptos
da penicilina,
longa era a expectativa
de vida...
apesar de haver tanta gente
que insistia em morrer
de amor...
Pois já reclama, à mesa de
desjejum, o meu café amargo
e o noticiário do jornal:
tenho a sede do hoje
tenho a fome de
toda uma época...
quero sorver este oceano
de novidades, este mar de imagens e tipos,
talvez encontre um pouco
de mim por aí...
“A semana passada choveu um ano inteiro,
derrubando tantas vidas em barranco”
e “o carnaval, neste ano começa no princípio
de fevereiro”
antecipando os ensaios dos blocos
e da “Arranco”...
O meu time vai bem, obrigado
comprando medalhões no varejo
e vendendo jovens promessas
no atacado...
Na política então, nem resvalo
prefiro as delícias da nossa culinária,
e fui chamado à atenção por estes novos pratos:
em fogo alto, adicione algumas (muitas)
notas de dólar, uma pitada de mau-caratismo,
uma dose de ganância
e se consegue um excelente “deputado”...
Caso queira adicionar uma dose de hipocrisia,
temos com louvor,
um belo “senador”...
Mas cuidado! Caso queira adicionar mais
algum ingrediente,
pois acrescentando a esta receita
doses generosas de desfaçatez,
obtém-se um presidente!
Para desanuviar o astral, consulto
o horóscopo e o santo do dia:
será que o meu ascendente
e o meu santo regente
ainda estão em desarmonia?
Mas confesso ruborizado
que quando chego às “sociais”,
fico desconcertado:
Escassas são as vagas para o ensino,
tanta gente morre sem atendimento nos hospitais,
e a insegurança é a única certeza quando se sai...
E o amargo do café há pouco desfalecido no paladar
renasce em constatações lancinantes,
como um brado no peito:
Atualmente, na cidade de São Sebastião
a vida barateou sobremaneira
e a morte é artigo de forte clamor:
Morrem pessoas nas filas dos hospitais,
nas ruas, nas passarelas, nas avenidas,
a morte é assistida por todos sem horror
Atualmente, na cidade do Rio de Janeiro
e cada vez mais freqüentemente,
morrem mais e mais pessoas de bala perdida
O que teria acontecido, por acaso
àqueles que outrora
morriam de amor?