sussurros de aniversário

“o tempo é o único deus,

Move o mundo e muda sinas

É o único que cura dores e leva as almas

Redime e castiga

Mas não se engane, por ele jamais ore

O tempo é um deus onipresente

Mas incapaz de compreeder os nossos suplícios”

Minha menina briga com os ponteiros do relógio

Com seus olhos pequeninos

Dos quais somente eu, que a conheço tão bem

Sou capaz de notar que estão arregalados

Ela diz “esta errado, meu senhor, esta errado”

Do mesmo jeito que antes com outros deuses brigava

Minha pequenina nunca se conformou

A admitir a matéria bruta da vida

Ela se amarra a doces ilusões

E se recusa a olhar pro meu rosto

Atrás dela, próxima a janela

Uma pequenina velha observa o céu estampado

Com esses olhos que fitam tão intensamente

Que acabam por nada fitar

Ela ri dos meus olhos perdidos,

Ela ri da menina implicante

e traça com suas agulhas

um crochê de monólogos

não entendo sua língua

não conheço suas metáforas

e quando nos chama, confunde eu com a criança

ela me dá medo

mas o seu riso ri dentro de mim

e eu seguro um pequeno espelho que achei na mesa

enquanto a velha e a criança parecem presas no próprio mundo

perdidas dentro de seus cabelos tão embaraçados

apesar de nossas distancias parece que nossos braços se entrelaçam

de modo que eu nunca deixarei o quarto

nós vivemos sozinhas, quando saímos de casa, foi pelo nosso próprio barco

e mesmo a lenta morte que nos espera solitária será

mas seremos eternamente três

assim como as parcas

e é apenas quando em seus olhos eu me vejo refletir

é que eu posso sorrir e exclamar

“sim, eu também sou forte”