LICENÇA POÉTICA

Disse Fernando Pessoa,
O poeta é um fingidor.
Contudo, o que finge e como finge,
Verdadeiramente o poeta?
Quando escreve, decodifica seu poema.
Quando deixa que entre as letras e as rimas,
A emoção aflore e deflagre na alma,
Na pele, nos poros o delírio que o arrebata.
Derramando versos sentidos,
Muitas vezes carpidos na própria experiência.
O que finge o poeta, quando declama a fome,
Se ele próprio a sente em cada estrofe.
Como fingir a seca, se na pele esquálida,
Tosca, deteriorada, os efeitos alarmantes são visíveis.
O que finge mesmo o poeta? Quando em versos,
Ele enaltece a mulher, a mãe, essa bela criatura humana.
E quando ele declama sua própria genitora,
A desfiar um rosário de valores,
Que só ele conhece desde a infância.
Como finge o poeta?
Ao falar da infância, ao falar da criança,
Ao falar em versos dessa beleza que espargi inocência.
Como finge o poeta, ao declamar o amor,
Ao versar sobre o outono, sobre a primavera!
Sobre os encontros e os desencontros que a vida oferece.
Como finge um poeta? Ao falar dos desmandos,
Que aniquilam a criatura que validam,
Que perpetuam ciclos horrendos de misérias!
Como finge esse Poeta?

Albérico Silva