MUTANTE

Acordei atormentado por antigas mensagens.
Madrugada posta na angustiante quietude
da casa. A Morte me revela passagens
da vida e me acusa do quanto não pude
ser.

Álbum preenchido por densas imagens,
espalhei-o, página por página, no chão do quarto.
Caminhei sobre elas rememorando coragens,
ainda que poucas, do parto ao infarto
frustrado.

A noite não me tem sido boa companheira.
Por vezes semeia pensamentos confusos
e me faz viajar por desejos escusos
que, inevitavelmente, me lançam à beira
da loucura.

O pranto será sempre menor que a dor
e as manhãs, cumprindo falso destino,
distorcerão as histórias do menino
que deixei de ser ao não colher a flor
da infância.

Mas a vida não se resume às noites.
Vingo-me no dia sendo inteiro,
pai, amigo, amante, companheiro
e desprezo em silêncio a dor dos açoites
injustos.

Acuado, busco no céu a estrela primeira
da manhã, rejeitando acreditar nas mentiras
tolas plantadas em crenças caipiras
da infância mal cuidada. Sou trincheira,
sou mutante.

 
Nelson Eduardo Klafke
Enviado por Nelson Eduardo Klafke em 26/07/2012
Reeditado em 06/11/2013
Código do texto: T3798914
Classificação de conteúdo: seguro