A história do menino capenga que virou Deus.
Era um menino capenga, de alma cambaleante,
olhos enferrujados, boca avarandada,
era um menino alforriado em si mesmo,
menino como só ele sabia ser.
Vivia mambembando de ninho em ninho,
como se não soubesse quem de fato era.
E de fato não sabia.
Já havia parido muitos medos, muitos espantalhos,
muitos rasgos, todos os rasgos desse mundo.
Quando sentia fome, chorava.
Só pra poder perceber que ainda algo podia brotar
de si, mesmo que fossem lágrimas mundanas.
Tinha poucos amigos, talvez até não tivesse nenhum,
mas isso não lhe fazia falta.
Tinha calos nos ossos, por incrível que isso possa parecer.
Adorava assoviar. Canções lindas, a maioria delas
ainda desconhecidas pra ele, mas lindas mesmo assim.
Certa vez teimou em conhecer Deus.
Tanto quis, tanto insistiu, que Deus faz algo que nunca
havia feito antes.
Deus veio até ele. Com a humildade e despretensão que
s[o Deus poderia ter.
Quando se viram, não tiveram dúvidas: se abraçaram com
tal quentura, com tal verdade, que se fundiram num só.
Então não sabia-se mais o que era Deus, o que era ele.
A nova criatura ficou de tal jeito feliz, que resolveu
refazer o mundo, para que tudo ficasse só luz, ficasse
só bonito, ficasse só lindo.
Aquele mundo antigo, tosco, requebrado, maltrapilho,
não existira mais. Já era.
O novo mundo, esse sim, valia a pena.
Os homens, os bichos, as plantas e todas as coisas do mundo
antigo ficaram guardadas dentro de uma caixinha de vime.
E foi justamente essa caixinha que encontrei no chão nessa manhã.
Tinha até pensando em chutá-la, como faço com tudo que encontro
pela frente, mas não. Peguei-a com cuidado só pra ver mais tarde,
quando sozinho estivesse. Essas coisas não têm que ser assim.
Então fui embora, levando comigo tudo de bom que um dia viveu por aqui.
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