Hannah e suas irmãs
Acordou
às duas da madrugada,
suando frio,
preocupado
com o futuro incerto:
O que fazer se...?
E se...?
Ai, meu Deus...
Foi à cozinha,
abriu a geladeira,
não queria nada,
mas mesmo assim pegou
um pedaço de bolo
da
Barbie
que a filha não havia comido
na véspera
e o engoliu
de uma vez,
sem ver,
sem nem sentir o gosto
da gelatina
de morango
misturada à massa,
da cobertura
de confetes
coloridos,
do recheio
de leite
moça
cor
de
rosa.
Ligou a televisão
e desabou no sofá.
Acendeu um cigarro
e tragou fundo,
bem fundo,
a fumaça formando
imagens
do passado
– fantasmas
de dor
e medo
dançando
à
luz
inquieta
da tv.
No chão,
cinzas de outras madrugadas
e formigas
comendo os restos
de uma maçã
já preta
de fungos
e bactérias.
E se...?
Começou a ver o filme
– uma comédia antiga
de Woody Allen:
“Hannah e suas irmãs”.
E riu.
E ao rir,
deixou-se levar,
e se divertiu,
e parou de pensar
no que seria
se isso,
no que fazer
se aquilo,
e curtiu
cada momento,
cada cena,
como se toda a vida
estivesse ali,
sem passado
nem futuro.
E viveu.