Resgate

Vejo imensidão nos mares...

Inquietos,

Ondulantes...

E ouço gritos lancinantes

de mulheres dando à luz...

Vejo homens curvados e doentes

chorando anos que não voltam,

como voltam os dias quentes...

Vejo a lua no seu eterno renovar singelo

Minguando,crescendo e envelhecendo em tons de amarelo...

Vejo tudo isso e muito mais

nos meus dias vazios

que só se enchem nas noites

em que vejo a lua desnudar-te

e em que sinto a chama

da tua proximidade branda

e te enlaço terno e bruto na varanda,

carregando-te manso e ansioso

para o local de amar-te!

Então tu,

desabrochas mulher

por entre os meus dedos nervosos

que te querem toda ao mesmo tempo,

indecentes!

Indecorosos dedos que te procuram

loucos e gulosos

na floresta do monte que te antecede...

Entre as tuas doces montanhas de carne,

terra a mim prometida,

vale onde habito,

ocioso,

com os meus lábios...

Choro em teus braços magros

as minhas incertezas,

os meus poemas inacabados

por falta de mais presenças tuas...

Por falta dos teus olhos serenos

que me devolvem a calma...

Por falta dos teus cabelos sedosos

que passeiam o meu peito nu,

e por falta das tuas mãos

que me penetram a alma

e da tua boca que me alimenta de abandono...

Fico triste ao imaginar-te longe,

tu que me fazes ser com a lua,

crescendo, minguando, envelhecendo e remoçando...

Sinto no meu rosto

as rugas da tua próxima ausência...

Tenho de amar-te rápido

porque a hora se aproxima...

Não poderei de novo acabar o meu poema...

Ofuscas-me!

Fico sem rima,

sem verso nem lema...

Fico exausto ao percorrer-te nas viagens

em que vou e volto com prazer...

Porque a tua pressa é grande

e só ficarão imagens,

logo que vás juntar-te ao amanhecer...

Deixa-me pensar que és uma ilusão,

deixa-me apagar os vestígios desta aliança...

Deixa-me limpar da tua carne pura

o rubro viscoso que brota,acusador

de entre o teu ser,fonte da minha loucura

e do meu eterno sofrer de amor...

Deixa-me resgatar do teu límpido olhar

a cândida luminosidade que me cegou...

E quanto aos teus cabelos,

deixa-os voar

para que com eles voe

a dor que em mim se instalou...

Deixa-me ouvir as tuas risadas francas

e veste de novo as tuas vestes brancas

que num momento louco eu maculei,

vertendo lágrimas que não chorei...

Vai e leva o que me atormenta,

deixa-me só,

com imagens e contemplação...

Mas volta,

pois a minha alma não aguenta

quando me deixas

mergulhado na solidão...

Jacinto Valente
Enviado por Jacinto Valente em 12/02/2007
Reeditado em 17/02/2021
Código do texto: T378926
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