FILHOS DO CONCRETO

Reúno em mim a soma das sobras das tristezas

dos homens; não de todos, porque a infelicidade

é muita e eu bem pouca coisa: sou pedreira de homem,

meu formato é robusto e consagram-me fortaleza.

Consegui com o tempo (não sou velho nem moço) encontrar

a fonte das misérias da vida, e dela me chega o caos.

Por isso me contorço, repuxo-me, rolo sobre o asfalto.

Na figura humana não passo de frangalho petrificado distorcido;

mas esta cidade sem sol nem palavras e nem algum outro encanto

não sabe da minha dureza, que sou forte e meu pai é de concreto.

No alto dos edifícios vaporizam-se vidas fictícias;

lá ninguém imagina a sapiência de um frangalho retorcido

e desfigurado, íntimo de todos os flagelos e catástrofes,

que se alimenta do pó de chão (eu, feito de matéria bruta,

não careço de outra coisa). De resistência infinita,

sou o ponto para onde convergem os males da Terra,

e sinto-me feliz por poupar os arranha-céus.

Meus irmãos também são duros e fortes como eu.

Não sei bem dizer como estão e por quais caminhos rumam,

mas nosso Pai que é concreto e abstrato vela por nós.

Eduardo Marçal Silva
Enviado por Eduardo Marçal Silva em 19/07/2012
Código do texto: T3786787
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2012. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.