FILHOS DO CONCRETO
Reúno em mim a soma das sobras das tristezas
dos homens; não de todos, porque a infelicidade
é muita e eu bem pouca coisa: sou pedreira de homem,
meu formato é robusto e consagram-me fortaleza.
Consegui com o tempo (não sou velho nem moço) encontrar
a fonte das misérias da vida, e dela me chega o caos.
Por isso me contorço, repuxo-me, rolo sobre o asfalto.
Na figura humana não passo de frangalho petrificado distorcido;
mas esta cidade sem sol nem palavras e nem algum outro encanto
não sabe da minha dureza, que sou forte e meu pai é de concreto.
No alto dos edifícios vaporizam-se vidas fictícias;
lá ninguém imagina a sapiência de um frangalho retorcido
e desfigurado, íntimo de todos os flagelos e catástrofes,
que se alimenta do pó de chão (eu, feito de matéria bruta,
não careço de outra coisa). De resistência infinita,
sou o ponto para onde convergem os males da Terra,
e sinto-me feliz por poupar os arranha-céus.
Meus irmãos também são duros e fortes como eu.
Não sei bem dizer como estão e por quais caminhos rumam,
mas nosso Pai que é concreto e abstrato vela por nós.