Eu Devia Ter Me Despedido
Diante do seu retrato
Castigo a memória
Soluço
Eu quase ouço sua voz
matéria fina em luz
Eu devia ter me despedido
Deveria ter virado
Mas não virei
Fui embora
Com o calor de seus olhos
Em minhas costas
O instante me dominou
Por inteiro
Por dentro e por fora
E só conseguia olhar para os meus pés
Contando os passos
Distante de você
Naquela tarde
Eu sabia
Eu sentia o perfume da terra
molhada que predizia
O cheiro fétido e quente dos bueiros
me batia a face e entrava pelas narinas
Eu devia ter me despedido
Era tudo que eu queria
Mas não pude
Abri minha boca
E meus pulmões estavam murchos
Eu não sabia
E nunca soube como fazer isso
Nem meu pai soube
Quando nos deixou
Por que você não falou nada
Devia ter escarrado sua raiva
Exalado sua ira em paus e pedras
Mas não, você ficou parada
SILÊNCIO
E esse silêncio maldito
Que esconde as palavras mais óbvias
te consumiu
Ainda hoje
Eu escuto aquele momento, aquele instante,
Aquele argumento
Um resumo que nos afasta e que agora
Jaz em papel e tinta
Na palma da minha mão
Diante do seu retrato
Mergulho fundo em seus olhos
E lhe trago de volta a vida
Exatamente
Naquele dia, naquela rua
Naquela guia
Mas como num filme
Eu me viro e reedito
Diante do silêncio
Grito
Mas não olho para trás
Eu devia ter me despedido