Quintais

A cidade escorre lentamente

neste junho que nasce no mar,

neste inverno que adormece as casas

e traz em sua memória, pousada

na mão com a qual escrevo,

a casa pequena

onde pus o meu mundinho entre as flores do jardim

Seu quintal translúcido tocando

os finais de tarde e do meu mundo

Meu baú plataforma para os vôos noturnos

Sonho?

Não sei.

O vôo era o mistério acontecendo

e a vida, muito provavelmente, não sabia disto

Nas noites em que eu voava a felicidade era eu

eu era a eternidade sonho cisma adejante segredo

na noite recendendo à lascas de canela

o cheiro doce e nu,

as luzes, em forma de gotas,

cobriam a vida de silêncios

De som somente o vento passando nas folhas,

espalhando o escuro em cada pedaço de terra,

nos quintais e no coração do mundo

Candeia de tantos nomes

por onde o negro do céu escapava

alumbrando meus olhos transpassados de infância

e encanto

A Vida, frágil e perecível, ausculta a cidade

que escorre lentamente

na noite incompleta que nasce no mar

na dor que lacrimeja nos olhos cansados

das lembranças que seduzem a madrugada

e na encoberta poesia que já morde a face do dia

Na Vida mergulho no imponderável sonho das palavras

neste rio que reflete as hastes do trigo

e os grãos de solidão germinados nos ventos da melancolia

A solidão do ser

A ilusão do medo

A solidão do mar

A ilusão do ter

A solidão da noite

A solidão cúmplice deste desespero tranquilo e sereno

que é eterno como esta dor no peito

ou eterno como esta sombra,

esta espera,

esta ausência da Alma

e da poesia

(que nasce lentamente,

solta e silenciosa,

junto com cada dia)

A palavra tentando traduzir os símbolos que o coração,

imerso na essência,

denota cheio de candura e inocência,

Esta é sua poesia,

Este é seu templo

Esta é a folha que se deixa levar pelo vento antigo,

submissa e imponderavelmente leve

Há momentos em que os séculos saem dos sonhos

e agonizam dentro de mim

Esquecer, não posso

eles estão aqui

os séculos estão aqui,

errando meus passos

abrindo as portas do escuro,

desvelando segredos

e medos ancestrais

Vozes de um tempo guardado

em miragens de areias,

mortas ampulhetas

escorrendo em grãos o tênue fio da vida

fazendo o sol adormecer,

iludindo a noite,

conduzindo a madrugada

rumo à latejante aurora

que acorda os pássaros e canta com eles

para a luz que cruza os jardins

como círio aceso pelo fogo insurreto do sol

Corre a manhã pelos quintais e pelas ruas

da minha saudade

Ruas de terra

Quintais onde a sombra dormitava com os animais

nas tardes quentes

e o silêncio zunia entre as folhas do abacateiro

dizendo palavras de grilos e cigarras,

recendendo à folhas verdes,

à terra

acordada pela chuva

A vida pulsava

O medo morava nas folhas da mamona

Fecho os olhos e sinto,

mesmo com o vento secando as lágrimas,

tudo em volta é solidão e

cansaço!