Saudades tuas

Sobre a contingência de nascer

paira a obrigação de olhar o riso,

de contemplar o esgar dos prantos

e de tocar na tua púbis negra!

É necessário correr!

Voar até ao estreito horizonte dos dias!

Percorre-los sofregamente

não os deixando passar em vão...

É preciso visualizar a dor e a morte

por entre cada segundo que se vai

como gota de sangue que cai de um corte...

E entre tantos sonhos e enganos

muitas vezes percorri os teus atalhos

e palmilhei as tuas carnes

com o cansaço dos meus teimosos dedos...

Rasguei-te com a loucura dos sãos

e fiz-te lágrima escorrendo-me pelo peito!

Reduzi a ti todos os meus dias,

de todas as minhas estações,

e gritei para que me ouvisses,

e para que sentisses

como te esperava!

Via-te ao vento, ao relento e à chuva...

Tocava a tua imagem encaixilhada...

Cheirava o teu perfume

que ainda me empregnava a alma!

E era de desejo esse odor que me entorpecia...

Era doce e ocre numa mistura de suor e flor!

Alimentava-me de ausência

e da solidão com que me brindavas...

E quando surgias no jardim

eu esquecia-me do mundo dos homens

e só te olhava, incrédulo,

achando impossível

que tanta beleza

se pudesse conjugar num só ser...

...Estou a perder-me no azedo da saudade

estou a repetir-me ao repetir-te!...

Eu só quero dizer que te amo!

Jacinto Valente
Enviado por Jacinto Valente em 11/02/2007
Reeditado em 17/02/2021
Código do texto: T377719
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