COMPREENSÃO

COMPREENSÃO

Não sei onde meu coração descansa

Se no desespero ou na esperança.

Passam todas as horas do mundo

Enquanto meu coração passa por tudo.

Não adianta que os senhores da ciência

Me alertem nesse mundo congestionado

Continuo preso nessa prestidigitação

De que tudo passa, antes, no coração.

Se não é pelo coração que o mundo passa

De que me vale a palavra dita ou escrita

Se a palavra, entrando nos olhos,

No coração é onde se abriga?

Tudo no mundo é palavra

Nos púlpitos, na cama, na lápide.

Essa invenção humana derradeira

Que a tudo trouxe na esteira.

No silencio invento palavras

Que o mundo sórdido incompreende.

Alimento-me delas, aqueço-me

Que é por elas que o coração sente.

Escrevo meu testemunho de tudo

Absolvo-me de todos os males

Esqueço todos os pecados

quando afogo-me nas palavras.

Não sei onde o coração fica

Quando a palavra sai escrita

Quando a lerem, alheio sorriso

Dirão: mas era isso!

Nem sei onde o coração descansa

Se no desespero de ser entendido

Ou no desejo de que os olhos que lêem

Estejam protegidos pela esperança

Que o que nos separa

É a humana aspereza do idioma

O resto é coração

O outro resto, sem importância.