NESTA TERRA EXISTE ALGUÉM

NESTA TERRA EXISTE ALGUÉM

Quem construiu aquela manhã

Ao sol desconhecia.

O seu arquititânico engenho

Desprezou a olaria;

Não teve mão calejada de operário

Para dar forma ao barro

Nem olhar de estudante maravilhado

Para descobrir poesia em concreto armado.

Quem inventou aquela manhã

Não cogitou felicidade.

O muro que construiu, tão alto

Não protegeu sua cidade

Da alegria dos moços e meninas

Que sonham liberdade

Respiram libertas

Trabalham libertados.

Quem construiu aquela manhã

Não queria viver

Para desmontar a obra vã

Requisitou o olhar de Isis

A camisa de Édson

As mãos de Carlos

A voz de Geraldo

A poesia de Chico.

Cada um deu o que tinha

Para desfazer a manhã

Afótica que no céu crescia.

O construtor, ele o sol desconhecia,

Fauno, violentou o verde

Que violentou o homem que se violentou

Quem ergueu essa manhã

A noite, lado a lado, levantou.

Quem construiu essa coisa, esqueceu

De construir novas criaturas

Que andassem tesas, bocadura;

Esqueceu que à liberdade o sol tangia

Erguendo das bocas o canto

Que trouxe a promessa de novos dias

Que Isis nunca conheceria,

Perdida no breu da manhã que nada prenuncia.

Isis, agora, dorme, plácida,

Em berço esplendido, desconhecido.

Seu sono é de pura calma

Com a altivez do sono de quem sabia

Que aquela cor não agricultada não verdejaria.

Quem implantou aquela manhã

Desperdiçou amor, aprisionou vento

Adubou o parasitismo do verde violento

De onde, nada, nunca, brotaria.

(a Ísis Dias de Oliveira, desaparecida nos anos de chumbo, cuja foto vi em um cartaz no metrô)