VILEZA
VILEZA
r. Bento Ribeiro, 72
Invejo os homens de lábia convulsiva
que esperam felicidade dos ares.
Invejo aqueles que se debatem em ânsia asmática
pelas fímbrias da noite, repartindo e catando
pedaços seus entre poças escuras
Amo os perdidos entalados nas coxas escuras
das mulheres do centro da cidade.
Desejo, com a timidez perversa da moral que impossibilita
o escuro dos rendez vous de intimidade doente
onde mãos se roçam, bocas estalam gustando menta
Adoro o gosto de menta dessas bocas falsas
dentes postiços e olhos fabricados.
Ardo secretamente pela alegria efêmera
dos risos dos homens e mulheres
fêmeas e machos e fêmeas
Olho para dentro dos covis e mansardas
ansiando pelo som distinto da amada
que se entrega para saciar a fome daquele
que aguarda, paciente, no frio da madrugada
que o amor cobre seu preço e se lave.
Imploro pelo libertínio dessa população esfaimada
Que se rasga e esfola sem crer em nada;
A voluptuosidade com que se emaranham
Mãos e pés na lide da carne.
Rogo, no meu vazio, pelo arroubo libertino
Dos gemidos que oiço nas esquinas
Os sussurros de cio.
Deliro com as canções que detesto
Atordoando os passantes pela calçada
Em frente aos covis que me nauseiam os protestos.
Que se rasguem os livros, teses e filosofias
Que apodreçam os ranços da limpa burguesia
Que as bocas doentes se empanzinem de beijos indecentes
Que os corações se dispam na ante-sala do medo
Trilhas urbanas, doce mediocridade
Amor vil, vida vil, desejo vil, coração vil: vileza
No sentido e sombra mais angustiante da beleza.
Que os poetas se esfaimem com suas liras e musas
Impecavelmente idolatradas em decassílabos construídos
Com a forma mais perfeita da palavra dicionarizada.
Que os rondós se desfaçam com a lua
Proliferando bestas pelas ruas
Ameaçando a densidade do hemisfério
Hipócrita habitado pelo vis homens decentes.
Quero o roce roce sugestivo
De panos remendados às pressas
E tremo, circundando o ócio e cio das conversas.
Etiqueta, sistemas on line, nada presta
Beijos ocidentais, comunidades funcionais
Mulheres promocionais, nada telúricas,
em apartamentos demais, nada presta.
Amor de pequenos burgueses,
Novos ricos, emergentes, cheios de hall, call,
Room, bed: nada presta.
Trafego entre a Central do Brasil e Copacabana
Declamando amor às putas
Mostrando amor aos cegos
Gritando amor aos autos que passam
Frei Caneca, Mém de Sá, Augusto Severo,
Prado júnior, Atlântica: nomes e mais nomes
Angustia vertida em goles.
Morte a essa tristeza infinita.
Vida ao ócio e ao cio.
Abram-se, bocas postiças
Desmesurem-se, olhos pintados
Surrealisticamente para o enlevo
De todas as gentes;
Proliferem, condenados, trabalhadores
Imigrantes, cartomantes, alectoromantes,
Iansãs do litoral do sonho
Proliferem e umedeçam as camas
De suores malignos e cresçam.
Não à razão, à lógica, à introspectiva gente
Dos grandes circuitos intelectuais
Que vêm à Augusto Severo para a comitiva
Do féretro dos pulcros e pleobanais;
Não às belas jovens sentadas à mesa
Fumando cigarrilhas discutindo absurdos;
Não ao robustus robustus morenos
Em cinco línguas ganhando terrenos.
Sim à ignorância congênita
À feiúra abrasiva dessas carnes
Que se desfazem em dores e ranços.
Há uma feiúra fundamental
Que me perdoem as belas
Parindo varões fora desse cativeiro;
Que me perdoem os justos em seu sono
Nunca atormentados pela fome dos transeuntes;
Que a espécie vigente perdoe tudo e todos
Aqueles que não esmorecem no outro lado do passeio.
Não à cantilena insofrida
Dos justos da terra, senhores da vida.
Sim aos mesquinhos abraços dos farrapos
Às trouxas de carne que se embolam e
Emboloram nos quartos das mansardas;
Sim ao sofrimento nessas faces estampado.
Confraternizo com Judas e Barrabás.
Agonizo na crucificação do mau ladrão.
Incendeio na fogueira com as bruxas.
Solidarizo-me com a raça da compaixão.
Bato na porta, ela não se abre, a do paraíso.
Arrebento trancas e fechaduras atrás de um gesto
Espio sombras à cata de uma revelação.
Aqui! Voltem-se, olhos esbugalhados
Aqui! Mirem-se heróis condecorados.
Aqui! Pompas executivas do desgosto.
Aqui! Paradismo dos vendidos.
Aqui! Euforia dos amotinados.
Aqui! Leprosos, tuberculosos, acéfalos, aqui!
Distantes das etiquetas, honra e brio
Solidarizemos nossos sonhos arredios
E
Quando chegar o momento vertical
Confiscarão meus pensamentos
Protestos, manifestos e fúteis romances
Entre meus pertences encontrarão
Seus guardados a envelhecer
Ai, então, eu sei, vão se reconhecer.