VIGIAS

VIGIAS

Às três e trinta

silencio na Cantuária

Tudo é noite aparente

mas existe muita gente

espreitando passos

suspeitando de quem anda

observando placa de carro

anotando tudo em diário

São sete horas

já tem gente na orla

tem gente na cela

gente pensando em Marte

tem gente em todo lugar

Eu não tenho sequer

cinco minutos sózinho

um amor de verdade

Dias finais, dia afinal

após uma noite em claro

carregando no escuro

uma crux de chumbo

Quero estar só

Quero sua companhia

Quero escrever como penso

ignorar os vigias

A ditadura do trânsito

as dívidas da vida

Quero viver, simplesmente isso

sem outro compromisso

É impossível

tem gente atrás de cortina

gente dentro do meu sonho

gente de todo tamanho

adequada a toda medida

Tem gente vivendo no futuro

inventando o porvir

para quando chegarem lá

não possam estar a sós

irremediável companhia

Na Portugal adormecida

o sudoeste brinca de tudo

Enquanto a noite promete chuva

um coração ruge por esperança

Silencio vulcânico na São Sebastião

A paz é obra da mudez humana

das máquinas em silencio

da ausência de homens em seus sons

Uma luz baixa dobra a esquina

Uma voz, beijo, despedida

As mãos ocultas afastam a cortina

Olhos anotam tudo nas retinas

Tem gente em tudo

Eu não tenho nem cinco minutos

sózinho.