TOLACÍSSIMO

TOLACÍSSIMO

O dia cozinha a noite em um tacho ebulescente.

O calor emodorra alguns e atiça outros.

Negros descem para a decisão da vida humana

No Maracanã: seja o que Deus quiser!

Despedem-se, apalpam-se. Os brancos empurram.

Demoradamente, num blues distante, vou adaptando

O queixo à janela até sermos um só: o ponto

É o homem que observa.

Os olhos, sempre parecendo sonolentos, estão argutos:

A janela se abre para todos os lares do mundo.

Os dramas, as festas, as chegadas, as disputas

Os crimezinhos rotineiros, ininterruptos...

Cozinho erva-doce adocicando o ar.

Meu sono difícil e ossos de chumbo,

Idiota a pensar no mundo.

A unha devorada escarafuncha a madeira

Do ponto de observação.

A janela debruça-se para todos os porões

Dos casarios, mocrifes, mansardas

Onde acotovela-se a difícil manada

Sem esperança e cheia de orações.

Penseio Pavlov entre doces músicas contemplando

O sofrer que nada mais diz aos sofrentes.

Da janela, a distância.

Misturo-me ao alvoroço

Da quinta-feira pós-dilúvio

De 15 minutos na Cenral do Brasil.

O suor amargo dos trabalhadores

Constrange meu fedor de Cristal.

Amasso-me à massa eleitoral

Assediada, coagida pelo Grande Mal.

Amasso “santinhos” e panfletos

Com nojo em meus dedos,

Magoado pelo desrespeito

Ao povo indefeso.

A noite ferve. O imenso caldeirão de leite negro

Derrama uma substância reveladora de homens

Sobre a cidade que diminui e inflama-se.

Sou todo uma grande lua sobre o Campo de Santana.

Sob os estrilos do guarda a manada conversa

Estoura em direção à porteira da estação ferroviária.

Com passos de rês extraviada, vagueio pelas alamedas

Meu coração é só velocípedes abandonados no parque à tarde.

Junto aos retardatários abatumados

Procuro por minha alma e só encontro

Lama e mal que ama.

Vejo-me sozinho na Presidente Vargas.

Uma tristeza pesa-me costas e ombros

Puxando-me para dentro do asfalto em busca de terra.

Lancem meu coração ás feras!

Sou todo tripas e melancolia entre galhardetes,

Palavras, chuva fina e ruído de máquinas

Correndo para o abatedouro das energias do povo.

Uma esperança sem futuro está à frente

Do atrás de tudo.

Para confortar meu desespero indiagnosticável

Junto-me a todos no vagão embrutecido

Permanecendo irmanado a uma grande família

Enquanto desliza a composição repleta

De pequenos heróis pela trilha infinda.

Sem saber onde estou, deixo-me levar

Pela onda que quebra na lama de uma

Estação distante.

Andando à deriva

A solidão é o brilho da lua nas janelas

Fechadas de um bairro do subúrbio.