TELEGONIA
TELEGONIA
Descuidado, o homem deixa-se apanhar
por uma abstração.
A sina ataca, arcadiacardíaca.
O homem, acometido de um poema,
acelera o passo, baixa a vista
tentando reter a cena mental
intermitente
que acontece em meio à multidão, alheia
ao homem que corre, atormentado de magias.
Corre por estar em mudança contínua
metapoemorfose
dissolvendo-se em sílabas
sublimando-se em vírgulas
solidificando-se em verbos
estruturando nova vida.
Alquimias o alcançam.
Meioses e mitoses inconvenientes
dividem-no em 'coisas' diferentes
daquela que andava, conivente
ao tempo, homem, ao lugar.
Zigotos maravilhados fermentam
dentro de si, impacientes.
Perde, pouco a pouco, a condição
humana: assume sua essência.
Suas mãos tremem, pressentindo
a transformação; seus olhos assustam.
Ele é um ser que cresce, aumenta,
quase explode, incabível em si.
Na calçada, a poucos passos de casa,
o homem detém o processo:
suam os poros quando a vontade
intervém na natureza,
luta constante: mil cavalos
enfrentando raios sobre correntezas.
Enfim, chega. Tranca-se.
Desveste-se.
Senta-se à mesa.
O poeta nada faz.
Obstáculo de mil alturas,
o tungstênio da caneta.
Corpo delicado e tímido,
a folha branca à sua frente
aguardando uma intervenção
mais poética que cirúrgica
que faça pulsar a celulose
liberando o ser
da pressão emanosmótica.
Hesita. Cavalga mustangs
em meio a denso breu.
A transformação do homem
em poeta
deixa-o abismado, apático
tamborilando os dedos.
A metamorfose
faz do homem, criança
indefesa, inocente
que contempla Deus
frente a frente.