SURTO REALISTA
SURTO REALISTA
Hoje a cidade desenhou-se muito triste.
O Pintor acordou cedo
lançando tintas sonolentas às calçadas
até a mão acertar com o pincel.
No seu atordoamento, sentado à cama,
cabelos em desalinho
cogitava o tema do dia
enquanto as pessoas, parece,
foram retiradas à força dos lençóis
por mão urgente e imperiosa:
portavam-se tão tímidas...
Enquanto articulava o drma dos funcionários
a disposição das figuras
a estética dos mendigos
sua espátula borrava o céu dos prédios
espalhava modorra nas ruas
entornava preto nas xícaras nos cafés.
O Pintor decidiu-se, repente,
por uns rabiscos na tela:
desencadeou o tormento
da chuva fina
que confundiu sua arte
enxurrou fundo e forma
realizou o desastre
desse poema em catarse
que eu, se fosse artista,
jamais pintaria.