RELÍQUIAS
RELÍQUIAS
As portas se abrem
em vagar e silencio
para que entrem
visitantes sem nexo.
Olheiras profundas
de noites fecundas
de vinho, ira, palavras
cercam-lhes os olhos.
Entram e ficam quietos
sem boca, amplexo
no sofá deserto.
Eu não existo,
eles não estão perto.
Nossos traços nada revelam,
olhar circunspecto.
Eles, é como assistir velhos filmes
dos irmãos Lumiére.
Não têm cheiros
mas respiram, como operários;
não se mexem
mas gesticulam como burgueses
contornando a sede.
Eu não insisto
Eles, sequer suspiro.
Cabelos anelados
saias rendadas
entre tanto e nada
obtusos tesouros
broches de pérolas
prendedores de ouro
gravatas de seda
marfim na piteira
punhos de voil
doceiras de cristal.
O túmulo das presenças
é um bolo de tâmaras.
Serenas reticências.
Debaixo dos braços
manchetes de jornais naufragados.
Entra pelas narinas,
repente, um odor de desejo velho,
emoção reprimida.
Eles fixam nos meus olhos
retinas brilhantes como botinas.
Suspensórios ensebados pedem descanso,
o descanso pede guarida.
Um halo de rosas das Casas Granado
margeia-lhes o tacto.
Seios espessos sacodem-se
atrás dos decotes. Ancas e anáguas.
Discutem meteoros, ressurreição e poesia.
Se o relógio não desvendasse hora e dia
mergulhado eu submergia
na antiquada e louca visita.
Como se fosse pelo vento
a porta se abre sem movimento.
Com moveres de cabeças se retiram,
sem prazer e sem lamento.
O que nunca houve se acaba
restando a solidão da sala
um pouco mais íngreme.
Riscos na escalada.
Agora sei-lhes as existências
tornando-se impossível permanecer atento
com a difícil ausência deles
na minha própria não presença.