RECORDAÇÕES
RECORDAÇÕES
Hoje, sentar na beirada desta cama
Essas duas e pavorosas lágrimas
aprontando para escorrer,
dói mais que uma chicotada.
Essas tantas coisas por dentro da casa
Semideserta
Tantas marcas, emoções
Que, dependuradas ou guardadas
São sempre cicatrizes
Que nunca deixam de sangrar
Mesmo quando se as acha curadas.
Uma boneca, chaveiro
Umas tantas lembranças
Os bibelôs na estante
O disco da Simone, quase recente
Poucas coisas que, no fim, são tanta
Que chegam a deixar doente
O corpo meio prostrado
Que anda arrefecido daquelas paixões
Incandescentes
Que enlouqueciam a cabeça
Incendiavam o ventre
E que se perderam de vista.
Agora, o que falta é uma mão carinhosa
Que traga novas brincadeiras da infância.
Na hora de solidão sem outra opção
A alma pesa quase insustentável
Provocando mais duas lágrimas
Que vão acabar como as outras
Secando nesta cama de covas rasas.
Dizem que mulher de peixes
Tem o predestino da solidão.
Solidão dói feito punhalada
Nas costas sem ter culpa de nada.
Os homens iam e vinham.
Depois saiam novamente
Morriam em outros lugares
Emprenhavam outras mulheres:
Nunca mais voltavam.
O homem, mulher, todos eles
Cansa-se de guerras
O guerreiro é no fundo um menino
Que se cansa de defender
Ou procurar uma paz por demais difícil.
O amor é uma violência calma
Imbatível
Perecível
Nessa hora de meditação, solidão
A cabeça confunde os rostos e manias
Que tinham; as lembranças que deixaram
As histórias que contavam
As que escondiam.
E sentar nessa larga cama
Cheia de buracos e falhas
Das pessoas que a gente ama
Não traz nenhuma boa sensação.
As lembranças espalhadas pela casa
Antes, faziam parte de um todo vital.
Agora, são fatais.
Quando a mocidade se vai
Diminui o fogo do amor
E somente a fé une as esperanças
Se fosse possível antever as coisas
Talvez nada se encontrasse assim, agora,
Morto
Escorregadio
Meio amarelecido pelo tempo
No meio dessa tarde de outono repentino.
Quantas madrugadas acordada
Esperando o amante subir as escadas
Para atar ao redor do corpo o nó de braços.
Até mesmo os que amaram com toda a alma
Se cansaram
Perderam-se nas noites, nos bares
Nos pedidos, suspiros, altares
De outras capelas com outras donzelas
Que não eram de peixes e sim de compreensão.
Chorar não muda nada
Nessa cama vazia e esburacada
De tantos pesadelos, traições e covardias.
Liga a televisão, está passando um filme bom.
Quem sabe mais à noite o sono venha
E o corpo termine por relaxar?
Agora não adianta nada,
Mas há coisas das quais
Não se diz palavra ao amado.
Passou, está acabado.
A vida começa toda manhã.