POEMA'NDANDO
POEMA'NDANDO
Esperando ônibus
as línguas são de trapo
Os olhos de cansaço
Os cães ganem horas inteiras
Ninguém os socorre
nessa parada de pedra
rescendendo a profissão
dever cumprido, boa morte
que nada nos acode
Ganem. Ladro.
Os cães de pedra,
bípedes à espera
do descuidado passante
Línguas, trapos
falas e farrapos
olhares medrosos e assustados
Almas de tungstênio
incandescendo frágeis
Corpos fedendo
a trabalho: exaustos
Odor humilde e humano
nessa estação do abandono
a tantas léguas distante
de qualquer tacto amante!
Homens de pedra e cães
que sequer s'apercebem
do calor dos clarões
que essas almas emanam.
Homens mulheres bolsas
estacionados no asfalto
à espera de um ônibus
que não lhes acelere mais
ainda os sobressaltos.
Passam dois policiais
com sonhos engasgados
transformados em vil salário
para defender sublimes amores
que torcem mãos, rilham dentes
na ânsia dos ausentes
que se engasgam de sonhos abatidos
na urgência do salário sem sentido
Arremesso meus pensamentos
na fumaça em aspiral
de cigarros abstratados
que fumo entre trapos e tungstênios
Cansado e consciente
do inútil do trabalho
na terra do ofício impotente
esqueço línguas, cães, retalhos
leio poesias que não escrevi
m'abasteço de coragem e asco
abandono trapos, bolsas, mosaicos
saio sob a chuva sobre o asfalto
caminhando para casa, vazio
engasgado com meus sonhos abatidos.